Em maio de 2021, a Comissão para Agricultura e Desenvolvimento Rural do Parlamento Europeu publicou o estudo 'Impactos preliminares da pandemia Covid-19 na agricultura europeia: uma análise setorial dos sistemas alimentares e resiliência do mercado' (Montanari et al. 2021).
O estudo, realizado pela consultora europeia Arcadia International, fornece uma primeira análise qualitativa e quantitativa, considerando o período entre março 2020 e janeiro 2021, do impacto da Covid-19 na cadeia agroalimentar, além de avaliar as medidas de intervenção da União Europeia (UE) e nacionais para mitigar os efeitos da pandemia.
Este artigo pretende apresentar os principais resultados, conclusões e recomendações deste estudo.
Um dos primeiros desafios que a cadeia de abastecimento agroalimentar da UE teve de ultrapassar está relacionado com o aumento da procura de alimentos devido a um certo panic-buying do consumidor. Em geral, no início da pandemia, foi observado um aumento massivo nas vendas de produtos alimentícios de longa conservação como massa, arroz, congelados e enlatados, deixando as prateleiras dos supermercados vazias.
No caso de Portugal, com garantias das autoridades de que a distribuição não estava em risco, a situação voltou rapidamente ao normal (Montanari et al. 2020). Sempre no início da pandemia, foram relatados na UE casos de escassez de mão de obra causados por restrições de movimento, atrasos nas entregas de géneros alimentícios, matérias-primas e outros insumos agroalimentares, mas que foram devidamente ultrapassados em função da resposta da UE (ver secção 3).
No entanto, devido a estas interrupções na cadeia de abastecimento juntamente com o fecho de alguns canais de escoamento, muitos agricultores europeus acabaram por sofrer perdas económicas significativas. Por vezes, essas interrupções levaram a excedentes de produção que tiveram de ser eliminados, na ausência de medidas de gestão de mercado direcionadas a todos os setores.
Em geral, o estudo destaca que a cadeia de abastecimento agroalimentar da UE demonstrou um alto grau de resiliência durante a pandemia. Com efeito, a produção da agroindústria baixou em valor apenas 1,4% em 2020 em comparação com 2019, mas em relação à média 2015-2019 cresceu 2,9%.
Em geral, o estudo destaca que a cadeia de abastecimento agroalimentar da UE demonstrou um alto grau de resiliência durante a pandemia. Com efeito, a produção da agroindústria baixou em valor apenas 1,4% em 2020 em comparação com 2019, mas em relação à média 2015-2019 cresceu 2,9%
No geral, o setor agroalimentar europeu teve um desempenho relativamente positivo em 2020, com a produção, preços e níveis de comércio a permanecerem estáveis na maioria dos setores. No entanto, alguns setores enfrentaram particulares desafios, como foi o caso do setor do vinho. No que a este diz respeito, a produção da UE e o comércio Extra-UE diminuíram em 2020 em comparação com a média do período 2015-2019 (Tabela 1). Em Portugal, também a diminuição do número de turistas estrangeiros afetou significativamente o setor e principalmente o vinho do Porto, que sofreu uma quebra de 31,1% de vendas em 2020 face ao ano anterior (IVDP 2020).
No entanto, em termos quantitativos, em 2020, Portugal viu a produção subir 3,6% em valor face à média 2015-2019. Já em 2021, os dados mais recentes relatam que as exportações de vinho subiram 14,5% em volume e 19,3% em valor nos primeiros seis meses do ano quando comparado com o período homólogo de 2020, mostrando assim resiliência e capacidade de adaptação do setor (Gabinete da Ministra da Agricultura 2021).
Da mesma forma, o setor da carne de bovino foi severamente afetado pela pandemia e em particular pelo encerramento da restauração, principalmente no que toca à carne de vitela: a produção da UE e as trocas comerciais registaram uma redução importante em 2020 (Tabela 1). No caso de Portugal, também outras carnes autóctones (por exemplo, cabrito e leitão) foram significativamente impactadas pela pandemia, não só devido ao encerramento da restauração, como também devido às restrições à circulação impostas durante as festividades do Natal e Páscoa, uma vez que o consumo destas carnes está intimamente ligado a estas comemorações no País.
Ao nível da UE, o açúcar também foi um dos setores mais afetados pois viu o seu consumo diminuir durante a pandemia, o que se refletiu em níveis de produção mais baixos. Também é importante destacar que os produtos ornamentais sofreram significativamente com a pandemia, nomeadamente a categoria de flores e plantas que se estima ter sofrido uma perda de 4,12 mil milhões de euros só na primeira vaga da pandemia.
Apesar das dificuldades referidas acima, de modo geral, os operadores da cadeia agroalimentar europeia demostraram uma grande capacidade de procurar alternativas e de se adaptar às novas circunstâncias. Por exemplo, para evitar o desperdício e garantir viabilidade económica, alguns setores alteraram as suas linhas de produção: por exemplo, vinho e etanol foram convertidos em desinfetantes enquanto produtos avícolas destinados à restauração foram redirecionados e embalados para serem vendidos no retalho.
Tabela 1. Variação entre a média 2015-2019 e 2020, em volumes e valores de produção e exportação ao nível da UE para os setores em estudo. Fonte: Montanari et al. 2021.
Conforme os resultados do estudo procuram demonstrar, a resposta da UE foi altamente eficaz, em particular na preservação da integridade do mercado único através de medidas como os green lanes (corredores verdes), criados para agilizar a passagem dos veículos de transporte de bens essenciais, entre os quais géneros alimentícios e outros inputs agrícolas, nas fronteiras.
Contrariamente, as medidas europeias adotadas no contexto da Política Agrícola Comum (PAC) tiveram resultados mistos. Enquanto as medidas de flexibilização na gestão das regras da PAC, incluindo, por exemplo, a gestão de pagamentos diretos aos agricultores, foram comumente consideradas úteis e adequadas, as medidas de gestão dos mercados agrícolas – tal como as ajudas à armazenagem privada e as derrogações às regras de concorrência - foram implementadas parcialmente ou de forma inconsistente entre os Estados-membros.
Por outro lado, o estudo conclui que as respostas financeiras nacionais foram superiores às ajudas financeiras introduzidas ao nível da UE. Neste sentido, importa destacar que a contribuição total da PAC foi apenas de 80 milhões de euros (maioritariamente sob forma de ajudas à armazenagem privada) enquanto as ajudas estatais disponibilizadas pelos demais governos nacionais alcançaram 63.9 mil milhões de euros.
Neste contexto, Portugal destaca-se por ser um dos 13 Estados-membros a ter implementado medidas financeiras específicas para o setor do vinho (23 milhões de euros), nomeadamente para destilação de crise e armazenagem privada. Além do vinho, o Estado português estabeleceu igualmente medidas financeiras de apoio ao setor das flores, carne de aves e ovos, carne de porco e leite de pequenos ruminantes, num total de 12.2 milhões de euros.
Com base na análise conduzida e nas lições que se podem tirar da atual pandemia, o estudo apresenta uma série de recomendações para responder melhor a crises que possam vir a afetar o normal funcionamento da cadeia agroalimentar futuramente.
Em primeiro lugar, importa reconhecer que a pandemia atual mostrou a necessidade de as respostas políticas a crises que afetem o setor agroalimentar serem concebidas seguindo uma abordagem integrada, ou seja, tendo em conta que uma crise pode afetar todos os atores e fases da cadeia.
Uma vez que foi verificado que as medidas de gestão do mercado introduzidas ao abrigo da PAC nem sempre foram implementadas consistentemente entre os Estados-membros, seria oportuno efetuar uma reflexão mais aprofundada sobre como estas medidas possam ser formuladas de forma melhor para que os operadores do setor agroalimentar possam utilizá-las de forma mais eficaz.
Por último, a pandemia causou um aumento dos pedidos de assistência alimentar (por exemplo, por meio de bancos alimentares) e uma maior procura por produtos alimentares mais baratos sobretudo por grupos populacionais de mais baixos rendimentos. Desta forma, com vista a mitigar as consequências económicas da pandemia nas famílias europeias, recomenda-se um reforço dos orçamentos dos programas de assistência alimentar.
5. Referências
www.ialimentar.pt
iAlimentar - Informação profissional para a indústria alimentar portuguesa