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UTPs na cadeia agroalimentar: progresso visível, ainda por consolidar

Alexandra Costa02/12/2025

A primeira avaliação da diretiva da UE contra práticas comerciais injustas na cadeia agrícola e alimentar mostra que o quadro legal - em vigor há pouco tempo - já está a contribuir para um ambiente de negócios mais equilibrado, mas revela lacunas em comunicação, denúncias e cooperação transfronteiriça. O relatório da Comissão, publicado em dezembro de 2025, servirá de base para a próxima revisão das regras, com foco em proteger melhor os agricultores e evitar vendas abaixo do custo de produção.

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A Comissão Europeia divulgou no início de dezembro o relatório que sintetiza os resultados da primeira avaliação da diretiva comunitária sobre práticas comerciais injustas (UTPs) na cadeia agroalimentar. Para a indústria - produtores, cooperativas, distribuidores e restantes operadores - o documento traz sinais promissores de maior equidade, mas também uma lista clara de fragilidades que continuam a penalizar os elos mais vulneráveis da cadeia.

Cresce a fiscalização, mas denúncias ainda ficam aquém

Entre 2021 e 2024, mais de 4.500 investigações relativas a práticas comerciais injustas foram abertas pelas autoridades nacionais. Cerca de um terço dos casos encerrados confirmou infrações, resultando em 754 processos sancionados e um total de 41,9 milhões de euros em coimas, entre 2022 e 2024. Estes números evidenciam uma tendência ascendente na atuação institucional face às UTPs e uma crescente utilização do enquadramento legal existente.

Contudo, os próprios inquéritos utilizados para fundamentar a avaliação mostram um lado menos visível: produtores e pequenos fornecedores continuam a reportar poucas situações, muitas vezes por medo de retaliação. O relatório sublinha que organizações de produtores e outras entidades de apoio - incluindo de países terceiros - poderiam intervir de forma mais ativa, nomeadamente apresentando queixas em nome dos fornecedores. Também se aponta que as autoridades nacionais ainda recorrem pouco a investigações proativas, apesar de as denúncias anónimas terem-se revelado úteis.

Para o setor, a combinação destes sinais diz respeito a duas realidades paralelas. Por um lado, há um quadro normativo em funcionamento e em expansão, com resultados concretos. Por outro, a cultura de denúncia e a utilização plena dos mecanismos disponíveis permanecem limitadas, o que deixa escapar casos de práticas desleais e mantém um clima de insegurança para quem se encontra na base da cadeia.

Um quadro harmonizado, mas com diferenças nacionais e lacunas de comunicação

A avaliação conclui que a diretiva é coerente com outras intervenções da UE e que oferece valor acrescentado, ao estabelecer um nível mínimo comum de proteção. Mesmo com implementações nacionais distintas - que podem dificultar a atividade de empresas que operam em vários Estados Membros - produtores e pequenos fornecedores beneficiam desta base harmonizada de tutela.

No entanto, o relatório identifica lacunas importantes: a divulgação da diretiva e o acesso à informação ainda são insuficientes, sobretudo para agricultores e operadores de menor dimensão. Há também margem para reforçar a cooperação transfronteiriça entre autoridades, um ponto em que a Comissão já mexeu. Uma proposta recente, com acordo político alcançado em 10 de novembro, avança precisamente no sentido de reforçar esta aplicação além-fronteiras.

Para as empresas, isto significa que, apesar de haver um padrão mínimo europeizado, a eficácia prática depende também da forma como a diretiva é comunicada, percebida e utilizada pelos próprios agentes do mercado. A coordenação entre autoridades e a clareza sobre procedimentos de denúncia e proteção contra represálias são fatores decisivos para consolidar a confiança na cadeia.

Contexto de tensão no setor e evolução esperada

O relatório surge num contexto de forte mobilização de agricultores em diversos países, com queixas sobre atrasos de pagamentos, cancelamentos de encomendas em cima da hora e alterações unilaterais de contratos - problemas que estiveram na origem de apelos da UE para que produtores reportassem experiências de práticas injustas. Já em 2024, a Comissão incentivou queixas e ficou claro que, apesar da diretiva, as dificuldades persistiam no terreno.

Com vista ao futuro, o documento será transmitido a instituições como o Parlamento Europeu, o Conselho e o Comité das Regiões, e serve de base para uma revisão mais ampla das regras. A Comissão pretende atualizar a legislação, como anunciado no discurso sobre o estado da União de 2025 da presidente Ursula von der Leyen.

O que muda para a indústria agroalimentar

1. Maior atenção à conformidade e às boas práticas contratuais

A pressão regulatória e o número crescente de investigações tornam a conformidade um elemento de gestão de risco crucial. Empresas integradas em cadeias internacionais devem observar as variações nacionais na implementação da diretiva, mas também aproveitar a proteção mínima uniformizada para reforçar cláusulas justas e transparentes.

2. Potencial maior de intervenção por organizações de produtores

Há um apelo explícito para que estas entidades assumam um papel mais ativo. Para cooperativas, associações e agrupamentos de produtores, esta é uma oportunidade de fortalecer serviços de apoio, incentivar a denúncia segura e construir casos mais sólidos para reivindicações, diminuindo o risco individual.

3. Incentivo à cultura de denúncia segura

As autoridades reconhecem que o medo de retaliação limita relatos de UTPs. Modelos que garantam anonimato, apoio legal ou representação podem ser um diferencial competitivo e de sustentabilidade para operadores que desejam atuar de forma ética e equilibrada na cadeia.

4. Acompanhamento de reformas e proximidade aos reguladores

Com a revisão da legislação em curso, atores da indústria que mantêm diálogo com governos nacionais e com entidades europeias terão mais capacidade de influenciar a forma final das regras, alicerçando-as em realidades práticas e em experiências partilhadas.

Em síntese, para a cadeia agroalimentar europeia, a avaliação confirma que a diretiva está a dar passos na direção certa, mas convida a indústria a ser mais proativa - não apenas para proteger os seus próprios interesses, mas para contribuir para um mercado agrícola mais sustentável, equilibrado e resiliente.

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