Ângela Leal, CEO & Founder da SARA HACCP
22/10/2025
Em Portugal, onde as doenças relacionadas com a alimentação — como por exemplo a obesidade, a diabetes e a hipertensão — representam uma preocupação crescente, a rotulagem nutricional tornou-se uma peça-chave na promoção da saúde pública. O quadro legal europeu, estabelecido pelo Regulamento (UE) n.º 1169/2011 com as suas sucessivas alterações, definiu as bases para uma informação alimentar harmonizada e obrigatória, exigindo uma declaração nutricional com as seguintes indicações:
O valor energético e as quantidades de nutrientes são expressos por 100g ou 100ml, podendo também ser apresentados por porção e/ou por unidade de consumo, desde que a porção ou a unidade utilizada sejam quantificadas no rótulo, na proximidade imediata da declaração nutricional. O regulamento permite ainda a inclusão de uma declaração que indique que o teor de sal se deve exclusivamente à presença de sódio naturalmente presente no alimento, desde que se encontre também na proximidade imediata da declaração nutricional.
Sempre que seja feita uma alegação nutricional e/ou de saúde para um nutriente deve ser declarada a quantidade do nutriente em causa. A rotulagem nutricional de produtos para os quais seja feita esta alegação é obrigatória, exceto no caso da publicidade genérica. Além disso, as quantidades das substâncias objeto de uma alegação nutricional e/ou de saúde que não constem da rotulagem nutricional devem ser indicadas no mesmo campo visual que a rotulagem nutricional.
Este regulamento introduziu ainda a obrigatoriedade de destacar 14 alergénios comuns com recurso a diferentes estilos de letra, cor ou sublinhado, assegurando a clara legibilidade através da definição de um tamanho de letra adequado, com dimensões igual ou superior a 1,2 mm de altura.
Contudo, a complexidade técnica dos termos utilizados, como “lípidos”, “ácidos gordos saturados”, “ácidos gordos monoinsaturados” ou “ácidos gordos polinsaturados”, continua a dificultar a interpretação dos rótulos, sobretudo para consumidores com menor literacia alimentar. A mera conformidade legal já não satisfaz os consumidores mais atentos. Hoje, espera-se que as marcas comuniquem de forma clara, acessível e honesta. Nesse sentido, a rotulagem passou a ser também um canal para a transmissão de valores, indo além da nutrição para integrar aspetos como a responsabilidade social e ambiental. É cada vez mais comum encontrar alegações nutricionais como “fonte de fibra” ou “baixo teor de gordura”, declarações de saúde como “ajuda à manutenção de níveis normais de colesterol” e certificações adicionais como “biológico”, “vegan” ou “sem glúten”, que visam responder às preocupações de um consumidor mais exigente e informado.
A nível europeu, a falta de harmonização também cria inconsistências. Enquanto Portugal possui de forma voluntária o Nutri-Score, países como o Reino Unido utilizam o sistema de semáforo nutricional, dificultando a comparação de produtos no mercado interno e confundindo o consumidor. A esta fragmentação junta-se a desigualdade de acesso à informação em populações envelhecidas, por exemplo, exigindo o desenvolvimento de formatos mais intuitivos e ferramentas de apoio à compreensão da informação nutricional.
A digitalização, por outro lado, tem oferecido novas possibilidades. Através de códigos QR presentes nas embalagens, os consumidores podem aceder a informações detalhadas sobre ingredientes, origem, rastreabilidade ou modo de processamento.
Várias aplicações permitem avaliar produtos alimentares e obter informações nutricionais baseadas em algoritmos que consideram o teor de nutrientes, a presença de aditivos e o grau de processamento. Esta nova camada de transparência expande-se para além do rótulo físico e reforça a necessidade de consistência e rigor da informação em todos os canais de comunicação.
A eficácia da rotulagem depende, inevitavelmente, do nível de literacia alimentar da população. Nas escolas, a introdução da educação alimentar como parte do currículo representa um avanço importante, preparando as novas gerações para fazerem escolhas alimentares mais conscientes.
Também os consumidores e organizações da sociedade civil têm vindo a desempenhar um papel ativo na promoção de uma rotulagem clara e ética.
A rotulagem nutricional encontra-se hoje no centro de uma transformação profunda na forma como comunicamos sobre os alimentos. Já não se trata apenas de uma exigência legal, mas sim de uma ferramenta estratégica de confiança pública, capaz de educar, proteger e fidelizar. Para a indústria alimentar, investir em rotulagem clara, acessível e ética não é apenas uma questão de conformidade com a legislação — é uma oportunidade para reforçar a reputação, responder às novas exigências dos consumidores e contribuir ativamente para a saúde da população.
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