Opinião| Dossier Embalagens mais Inteligentes e Sustentáveis
Catarina Neves, Food Regulatory Specialist
20/10/2025A presença generalizada de microplásticos tem vindo a assumir proporções alarmantes, representando atualmente, uma ameaça crescente para a saúde pública e ambiente (Cverenkárová K et al, 2021). Estes contaminantes têm sido detetados em larga escala nos ecossistemas marinhos, propagando-se ao longo de toda a cadeia alimentar subsequente (APA, 2021; Cverenkárová K et al, 2021).
Considerando que a indústria alimentar é um dos principais responsáveis pela produção de embalagens de plásticos (Cverenkárová K et al, 2021), a sua reciclagem e/ou reutilização torna-se ainda mais urgente. Porém, a multiplicidade de sistemas de rotulagem e as diferentes exigências nacionais podem confundir o consumidor e comprometer os objetivos de economia circular (University of Reading, 2023).
Este artigo propõe-se a traçar uma comparação entre as normas de rotulagem ambiental em Portugal e em Espanha e os requisitos recentemente estabelecidos pela UE, através da análise dos diplomas nacionais, o Decreto‑Lei 152‑D/2017 em Portugal e o Real Decreto 1055/2022 em Espanha, e posteriormente do Regulamento (UE) 2025/40 e as suas implicações práticas.
Com o propósito de estabelecer diretrizes concretas, em Portugal, a 11 de dezembro de 2017, foi publicado o Decreto-Lei 152-D/2017, com o objetivo de consolidar o regime de gestão de fluxos específicos de resíduos, em linha com o princípio da responsabilidade alargada do produtor. Após sete anos, a 26 de março de 2024, na sua décima alteração, este mesmo decreto-lei modificou o artigo n.° 28, relativo à marcação de embalagens.
No âmbito das embalagens reutilizáveis, é referido que estas devem conter um símbolo, estando as regras de marcação por definir pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e pela Direção Geral das Atividades Económicas (DGAE).
Também para as embalagens em sistema de depósito e reembolso (SDR) existe a obrigatoriedade de marcação. Sendo que, neste caso, são as entidades gestoras a propor os símbolos, e a APA e a DGAE a aprovar.
Relativamente às embalagens não reutilizáveis, geridas no âmbito do Sistema de Gestão Integrados de Embalagens e de Resíduos de Embalagens, passaram a dispor de duas alternativas para a comunicação do destino adequado da embalagem:
Adicionalmente, e como referido no documento redigido pela APA de Perguntas Frequentes – Marcação de embalagens (artigo n.° 28 do UNILEX), esta comunicação pode ainda ser facultada no website do produtor, ou através de um código QR na embalagem.
No mesmo documento da APA, e apesar de não ser estabelecido no Decreto-Lei 152-D/2017 um formato imposto, é sugerido que para as marcações das embalagens não reutilizáveis, seja utilizado um símbolo para a indicação do ecoponto correspondente (por exemplo, com a simbologia disponibilizada pela entidade gestora com a qual o embalador celebrou o contrato), ou alternativamente, a inclusão de uma frase como “Colocar no contentor [cor]”.
Neste caso, tanto as embalagens reutilizáveis como as embalagens de um sistema de depósito e devolução devem ter uma marcação que seja inequívoca para o consumidor para qualquer um dos fins, que deverá ser realizada através de símbolos.
Já as embalagens domésticas, denominadas como embalagens não reutilizáveis em Portugal, deverão indicar o ecoponto no qual os resíduos de embalagens devem ser depositados. Contudo, no caso de embalagens compostas por diferentes materiais, estes devem ser concebidos de forma a permitir a sua fácil separação, e devem conter indicações sobre qual o contentor apropriado para efetuar o descarte do respetivo material. Não sendo possível a separação, deverá ser indicado o contentor correspondente ao material predominante em peso, salvo se, for demonstrado que existe uma melhor alternativa de recolha que evite possíveis incidências no posterior processo de reciclagem.
Este artigo n.° 13 examina ainda a possibilidade de apresentar informação relacionada com a reciclabilidade da embalagem. Contudo esta informação terá de ser certificada por uma entidade externa ao produtor de embalagens e do produto, e deverá ser revista a cada 5 anos.
Adicionalmente, relativamente às embalagens de plástico compostável é exigida a certificação da embalagem de acordo com a norma europeia (UNE EN 13432:2001) e apresentar a mensagem “não abandonar na natureza”.
De forma geral é proibida a colocação no rótulo a frase “respeitoso com o meio ambiente”, ou outra qualquer menção do género. Existe, no entanto, a possibilidade de indicar a percentagem de material reciclado incorporado na embalagem, sendo, contudo, obrigatória a existência de documentação que comprove a sua veracidade.
Por considerar determinadas disposições relativas à marcação de embalagens previstas no Real Decreto 1055/2022 excessivamente restritivas, transgredindo o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e nomeadamente os artigos n.° 34 a 36, que asseguram a livre circulação no mercado comunitário, a Comissão Europeia deu início, a 16 de dezembro de 2024, a um processo de infração ao respetivo decreto. No entanto, exatamente na mesma data, o Ministério para a Transição Ecológica e o Desafio Demográfico, através da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, publicou uma nota interpretativa do artigo n.° 13. Nesta nota há uma flexibilização das normas, face à versão original, permitindo a utilização de códigos QR para disponibilizar a informação de marcação das embalagens domésticas. Tal possibilidade aplica-se apenas a embalagens que já utilizavam os códigos QR antes do dia 1 de janeiro de 2025 (data de entrada em vigor do diploma), ou no caso de se tratar de uma embalagem destinada a mercados multilingues, referindo que a informação terá de ser clara, facilmente acessível e não induza o consumidor a erro.
Considerando os principais requisitos, as embalagens reutilizáveis devem indicar essa característica de forma clara no rótulo. Devem também ser disponibilizadas, por código QR ou outro tipo de suporte de dados digitais normalizado e aberto, informações adicionais sobre a possibilidade de reutilização, inclusive quanto à disponibilidade de um sistema de reutilização a nível local, nacional ou da UE, bem como informações sobre os pontos de recolha, para facilitar o rastreio da embalagem e o cálculo do número de viagens e rotações, ou, se esse cálculo não for possível, uma estimativa média deste número.
Já as embalagens sujeitas a um sistema de depósito e devolução, para além do rótulo nacional, devem poderão ter um rótulo a cores harmonizado, desde que tal não dê azo a distorções no mercado interno pelos Estados-Membros.
Também as embalagens recicláveis deverão exibir um rótulo harmonizado com a informação dos materiais constituintes de forma a facilitar a triagem. Este rótulo deve basear-se em pictogramas e ser de fácil compreensão, inclusive para pessoas com deficiência. Adicionalmente, os operadores económicos podem colocar na embalagem um código QR ou outro tipo de suporte de dados digitais normalizado e aberto, que contenha informações sobre o destino de cada componente separado da embalagem.
Relativamente às embalagens compostáveis o rótulo deve indicar que as mesmas não são adequadas para compostagem doméstica e que não devem ser descartadas na natureza.
Para todos estes casos, a Comissão irá adotar atos de execução, até 12 de agosto de 2026, por forma a prever um rótulo e especificações harmonizadas aplicáveis aos requisitos e aos diferentes formatos, inclusive quando as informações são prestadas por meios digitais, bem como determinar a metodologia a utilizar para identificar os materiais constituintes das embalagens. Sendo irá a entrar em vigor a partir de 12 de agosto de 2028, para o caso das embalagens sujeitas a um sistema de depósito de e devolução e embalagens recicláveis, e a partir de 12 de fevereiro de 2029 para embalagens reutilizáveis.
Além disso, o artigo n.° 14 do regulamento define requisitos para as alegações ambientais voluntárias relativas ao packaging. Estas podem apenas ser realizadas quando se referem às propriedades da embalagem que ultrapassem os requisitos mínimos de sustentabilidade estabelecidos pelo regulamento. Devem também especificar se se referem à unidade de embalagem, a uma parte da unidade ou a todas as embalagens colocadas no mercado pelo operador económico.
Este quadro apresenta as principais diferenças entre a legislação, já em vigor, de Portugal e Espanha, assim como, os requisitos futuros ao nível da legislação europeia.
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Critério |
Portugal | Espanha | União Europeia |
| Rotulagem embalagens reutilizáveis | Obrigatório e estabelecido | Obrigatório e estabelecido | Obrigatório e estabelecido |
| Embalagens reutilizáveis | |||
| Informação do descarte |
Obrigatório (2 opções: rótulo ou ponto de venda) |
Obrigatório (rótulo) |
Obrigatório (rótulo) |
| Formato | Não estabelecido | Não estabelecido | Pictogramas |
| Tecnologias digitais (Código QR, etc.) | Opcional | Opcional, mas com restrições | Opcional |
| Requisitos de rótulo nas embalagens compostáveis | Não estabelecido | Estabelecido e obrigatório | Estabelecido e obrigatório |
| Alegações ambientais | Não estabelecido | Permitido, mas com restrições | Permitido, mas com restrições |
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Entrada em vigor |
1 janeiro 2025 | 1 janeiro 2025 |
12 agosto 2028 12 fevereiro 2029* |
*Possíveis datas de entrada de vigor, podendo haver alterações com a publicação dos atos de execução.
Em Portugal e Espanha existem algumas diferenças entre os regimes legais para a rotulagem ambiental.
Uma das principais diferenças é que em Portugal, no caso das embalagens recicláveis, a forma de apresentar a informação é flexível, sendo permitido colocar informação nos pontos de venda, ou através de códigos QR. No caso de Espanha, conforme discriminado na tabela, as opções são mais restritas.
Também em relação à UE, há diferenças substanciais. O regulamento já especifica, embora ainda não esteja definido à data de hoje, que o rótulo das embalagens recicláveis deve utilizar pictogramas harmonizados, visando tornar a rotulagem mais alinhada entre os diferentes Estados-Membros.
No que diz respeito a alegações ambientais, no caso da UE, existem medidas gerais de como estas devem ser feitas.
Em suma, a convergência europeia tende a minimizar a fragmentação normativa, promovendo uma maior compreensão do consumidor e uma cadeia de reciclagem mais eficiente. Resta agora aos Estados Membros traduzir essas regras num conjunto uniforme.
Bibliografia
www.ialimentar.pt
iAlimentar - Informação profissional para a indústria alimentar portuguesa