Vivemos um momento decisivo para que os produtores alimentares recorram à tecnologia como resposta a uma missão cada vez mais exigente: produzir alimentos mais saudáveis e apelativos para uma população mundial em crescimento, de forma resiliente, acessível, com o mínimo de desperdício e impacto ambiental. Da exploração agrícola à linha de fabrico, a inteligência artificial e o machine learning, advogam os especialistas, podem ajudar a alcançar estes objetivos, aumentando a eficiência, otimizando as cadeias de abastecimento e acelerando a investigação e desenvolvimento de novos produtos saudáveis.
Um artigo da MIT Technology Review advoga que, na agricultura, a inteligência artificial já está a ajudar os agricultores a monitorizar o estado das culturas, a ajustar a aplicação de insumos e a tornar as colheitas mais precisas e eficientes. E que, em laboratório, a IA impulsiona experiências de edição genética que visam melhorar a resiliência das culturas e aumentar o valor nutricional dos ingredientes base. Já no universo dos alimentos processados, a tecnologia está a otimizar os custos de produção, a aperfeiçoar a textura e o sabor de produtos, como as proteínas alternativas e os snacks mais saudáveis, e a reforçar os processos de segurança alimentar.
Mas, apesar do potencial, parece consensual entre os analistas que a adoção da inteligência artificial na indústria continua aquém das expectativas. A partilha de dados permanece limitada e as empresas ao longo da cadeia de valor apresentam necessidades e capacidades muito distintas. Faltam normas comuns e protocolos claros de governança de dados, e continua a haver escassez de talento e competências para acompanhar o ritmo desta nova vaga tecnológica.
Apesar das dificuldades de adoção, há quem esteja a trabalhar ativamente para transformar este cenário. Com uma carreira feita na indústria alimentar e uma paixão clara pela tecnologia, Paulo Gaspar fundou, em 2019, a BRAINR, uma empresa que se propôs “criar o cérebro digital, capaz de orquestrar toda e qualquer operação em fábrica, sem intervenção humana”. Mas essa ambição ainda esbarra em limitações concretas. Como sublinha, “esta visão ainda não é possível ser alcançada. Nem mesmo com a IA mais avançada do mundo. Porquê? Porque as fábricas são físicas. Os produtos alimentares são físicos. IA não é. Ainda há um gap muito grande sobre o que IA consegue fazer e o que pode ser trazido para as fábricas de todo o mundo”. A verdadeira revolução, afirma, “só acontecerá quando esse fosso for superado. O hardware está quase lá. Mas o software… ainda não”.
E é precisamente aqui que a BRAINR quer fazer a diferença. A empresa nasceu dentro do Grupo Lusiaves com um objetivo claro: transformar o setor alimentar através de um sistema de gestão de operações completamente desenhado para este contexto. “Começámos do zero, com uma arquitetura de micro-serviços, completamente orientada para dados. Criámos uma solução que pudesse evoluir, adaptar-se e crescer com a indústria alimentar, e que fosse capaz de integrar, analisar e agir sobre dados em tempo real”, explica Paulo Gaspar.
Atualmente, a plataforma já gere mais de 25% da produção de carne em Portugal. Com esta base sólida de dados operacionais, a empresa está agora a dar o salto para a automação inteligente. “Desde 2024, começámos a integrar a IA nas nossas operações”, começando pelo suporte ao cliente e evoluindo para processos mais complexos, como o planeamento da produção. A promessa da tecnologia vai, segundo o CEO da BRAINR, muito além da geração de relatórios automáticos: “A IA vai gerar resumos automáticos, destacando apenas o que realmente importa para a tomada de decisão. Em vez de gastar horas a analisar gráficos e tabelas, o gestor de produção recebe insights rápidos, objetivos e acionáveis. A informação chega em tempo real, personalizada para cada contexto”.
Mas a viragem decisiva está no horizonte, garante o executivo. “A verdadeira magia da inteligência artificial vai começar quando começarmos a aplicar a IA em processos ainda mais complexos, como o planeamento da produção”. Imagine-se uma fábrica onde o planeamento é feito em tempo real, ajustado de forma dinâmica por algoritmos que respondem automaticamente a variáveis como a disponibilidade de matérias-primas, capacidade das linhas ou prazos de entrega. “Esse tipo de planeamento inteligente, dinâmico e autónomo será fundamental para aumentar a eficiência e a produtividade das fábricas, além de reduzir erros humanos e custos operacionais. E isso não é ficção científica — é uma realidade que estamos a construir agora”.
Para Paulo Gaspar, o futuro será feito por sistemas autónomos a tomar decisões, integrando “logística interna autónoma, como os já em operação em empresas como a Ocado e Amazon Robotics, ou mesmo veículos autónomos dentro das fábricas”. E, no centro de tudo, estará o software inteligente que a BRAINR está a desenvolver: “uma camada orquestradora, flexível, que compreenda o contexto e os dados, e saiba tomar decisões de forma autónoma e confiável”.
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