Informação profissional para a indústria alimentar portuguesa

Como pode a indústria alimentar contrariar o flagelo da obesidade, face às tendências e inovação tecnológica do setor?

Prof. Doutor Gil Faria*19/06/2024
A obesidade é um problema crescente de saúde pública em todo o mundo, afetando milhões de pessoas. Estima-se em mais de 1.500 milhões o número de pessoas afetadas em todo o mundo, sendo que poderá atingir cerca de 30% da população, em 2030. É uma doença complexa, com origem em múltiplos fatores genéticos, ambientais, comportamentais e sociais.
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A indústria alimentar, como principal fornecedor de alimentos, tem um papel fundamental nas componentes comportamentais e sociais deste problema. Desde logo, porque o tipo, qualidade, disponibilidade e preço dos alimentos vão determinar as escolhas alimentares de milhões de pessoas. Por outro lado, a promoção de alimentos de elevada palatabilidade, mas de pequeno valor nutricional, contribuem para a desregulação energética do organismo, favorecendo o aumento da aporte energético e consequente armazenamento sobre a forma de gordura.

De igual forma, a consciência social da indústria alimentar obriga a adaptações que possam manter viva a indústria (que é fundamental para a disponibilização de alimentos) e participar no controlo da obesidade, que é um dos principais fatores de diminuição de anos de vida com saúde e produtividade.

O desenvolvimento tecnológico e a crescente preocupação com a sustentabilidade podem e devem ser utilizados para promover uma alimentação mais saudável e combater a obesidade. Ao longo dos próximos parágrafos, vamos tentar então perceber alguns dos passos que se podem tomar neste caminho.

Reformulação de produtos alimentares

A reformulação de produtos pode ser uma das armas mais poderosas para promover estilos de vida saudáveis. Isto envolve a modificação da composição dos alimentos processados, reduzindo o teor de açúcar, sal e gorduras saturadas, mantendo o mesmo sabor apetitoso e a textura desejável pelos consumidores. Avanços na tecnologia, como sendo adoçantes de nova geração, emulsificantes mais naturais e substitutos de gordura, permitem criar produtos mais saudáveis, sem comprometer a experiência sensorial.

É importante perceber que a evolução rumo a alimentos melhores não pode acontecer à custa da redução do prazer alimentar, sob pena de os consumidores preferirem as opções mais prazerosas e menos saudáveis.

Para que toda a indústria tenha interesse em percorrer este caminho será necessário que se estabeleçam políticas públicas que tragam vantagens competitivas às empresas mais preocupadas com a qualidade nutricional dos seus produtos.

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Tendência para produtos orgânicos

Nas últimas décadas, tem-se assistido a um progressivo retorno à “ruralidade”. Se durante muitos anos, as pessoas preferiam fazer as suas compras (nomeadamente alimentares) no local mais económico ou conveniente, uma nova geração de cidadãos mais conscientes da sua saúde, mais preocupados com a sua pegada ecológica e, de forma global, com mais instrução, tem feito regressar algumas “mercearias de bairro”, com aumento da disponibilidade de fruta fresca, legumes ou derivados animais “orgânicos”, com menor uso de pesticidas e com melhores condições de vida para os animais.

Rotulagem clara e informática

Muitas vezes, apesar de discriminado na composição, a maioria das pessoas não consegue efetuar a distinção entre escolhas alimentares mais ou menos saudáveis. O volume total dos alimentos, a densidade calórica, a quantidade total de açúcar ou gorduras, pode ser de difícil interpretação pelo cidadão comum. A criação de rótulos mais detalhados e compreensíveis, a comparação com os valores nutricionais recomendados ou o simples “semáforo nutricional” são medidas que podem ajudar os consumidores a fazerem escolhas mais saudáveis. A utilização da tecnologia, como, por exemplo, a colocação de QR codes, pode fornecer informações extra acerca dos produtos, a origem dos ingredientes ou promover comportamentos de comunidade.

Produtos personalizados e nutrição de precisão

A personalização é uma tendência crescente na indústria alimentar. A tecnologia permite a criação de produtos alimentares adaptados às necessidades nutricionais individuais dos consumidores. Esta abordagem, devidamente acompanhada por profissionais competentes, permite adequar a alimentação às necessidades específicas de cada indivíduo.

Substitutos de carne e peixe

A procura por substitutos da carne e do peixe tem base em preocupações com a o meio ambiente e o bem-estar animal, mas também com a saúde. A concentração de poluentes, a presença de antibióticos ou contaminantes orgânicos na carne e no peixe e o risco de transmissão de doenças são possibilidades com a carne ou o peixe, mas evitados com a utilização de substitutos sintéticos ou à base de plantas. Os substitutos da carne, por exemplo, apesar de ainda imperfeitos, permitem uma experiência aproximada à carne natural, com perfil nutricional mais saudável e menor quantidade de gordura saturada e calorias. A presença de potenciais disruptores endócrinos nos alimentos (micropoluentes, microplásticos ou metais pesados) tem sido associado ao desenvolvimento da obesidade, o que poderá ser evitado através de alternativas sintéticas.

Transparência e rastreabilidade

A possibilidade de rastrear o percurso dos alimentos desde a produção até à mesa, garantindo a autenticidade e segurança dos produtos, pode ajudar a diminuir a possibilidade de fraude alimentar. Garante que as pessoas estão a consumir o que está anunciado no pacote e aumenta a confiança dos consumidores. A transparência sobre os métodos de produção, recolha ou processamento dos alimentos também pode ajudar a efetuar escolhas alimentares mais saudáveis, evitando o sobre-processamento e a utilização de conservantes, corantes ou adoçantes potencialmente desnecessários.
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Promoção de hábitos alimentares saudáveis e estilo de vida, através de plataformas digitais

As aplicações de nutrição e saúde têm um papel crescente nas sociedades modernas. Estas aplicações permitem a monitorização das calorias ingeridas, a definição de metas individuais ou a sugestão de recomendações adaptadas. A parceria da indústria alimentar com programadores digitais pode ajudar a difundir este tipo de tecnologia e a torná-la mais precisa e completa.

O advento da inteligência artificial, por exemplo, pode contribuir para compreender e modelar os hábitos de consumo dos utilizadores, incentivando mudanças positivas nas suas rotinas alimentares.

Parcerias com Governos e ONGs

A indústria alimentar pode colaborar com governos e organizações não-governamentais (ONGs) para promover políticas e programas que incentivem uma alimentação mais cuidada. Essas parcerias podem incluir campanhas de consciencialização pública, subsídios para alimentos saudáveis, regulamentações mais rígidas sobre publicidade de “junk food” e iniciativas para melhorar a oferta de bons alimentos, designadamente em escolas e comunidades.

A regulamentação dos métodos de produção, de armazenamento e de promoção dos alimentos permite colocar toda a indústria em pé de igualdade e aumentar o estímulo para a produção e promoção de alimentos com uma verdadeira qualidade nutricional.

Melhoria no embalamento e controlo de porções

A possibilidade de utilizar embalagens de múltiplas utilizações ou embalagens com porções pode ajudar os consumidores a controlarem melhor as quantidades e evitar o consumo excessivo de alimentos e/ou o desperdício. Também a introdução de embalagens inteligentes, que monitorizam a frescura e qualidade dos alimentos, pode ajudar no consumo de produtos de alta qualidade.

Desenvolvimento de alimentos funcionais

Os alimentos funcionais, que fornecem benefícios adicionais à saúde além da nutrição básica, são outra área promissora. Estes alimentos podem incluir ingredientes como probióticos, fibras prebióticas, ácidos gordos ómega-3 e antioxidantes, que podem ajudar a prevenir doenças e promover a saúde geral.

Várias empresas têm investido na investigação e desenvolvimento de alimentos funcionais que não só sejam nutritivos, mas de igual forma saborosos e convenientes.

Educação e consciencialização dos consumidores

Finalmente, a educação e consciencialização dos consumidores são fundamentais para combater a obesidade. A indústria alimentar pode investir em campanhas educacionais que promovam a importância de uma dieta equilibrada e de um estilo de vida ativo. Isso pode incluir a distribuição de materiais educativos, a realização de workshops e a promoção de mensagens de saúde, através de redes sociais e outras plataformas digitais. Programas de educação nutricional, especialmente direcionados a crianças e adolescentes, podem ter um impacto duradouro na formação de hábitos alimentares saudáveis.
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Conclusão

A luta contra a obesidade é complexa e multifacetada, exigindo esforços coordenados de diversos setores da sociedade.

A indústria alimentar é fundamental na disponibilização de alimentos à população, para além de ter um alcance global e uma significativa quantidade de recursos.

Assim sendo, não se pode demitir do seu papel social, de contribuir para um mundo mais saudável e de liderar a luta global contra a obesidade.

Através da inovação tecnológica e das tendências emergentes, a indústria alimentar pode desenvolver produtos mais saudáveis, proporcionar transparência e rastreabilidade, promover melhores hábitos alimentares e educar os consumidores. Com um compromisso sincero e as necessárias parcerias e regulamentação dos governos, pode assim contribuir de forma significativa para a reeducação dos consumidores, para a disponibilização de alimentos mais saudáveis e para uma redução da prevalência da obesidade em todo o mundo.

* Cirurgião especialista em Cirurgia da Obesidade e Metabolismo

Coordenador dos Centros de Tratamento da Obesidade do Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, e do Grupo Trofa Saúde

Professor da FMUP

Investigador clínico na área da Cirurgia Metabólica e Obesidade

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