Informação profissional para a indústria alimentar portuguesa
José Manuel Pino Moreno, biólogo da UNAM: “Ao contrário da carne, a produção de insetos requer pouco espaço para a produção, não gera gases com efeito de estufa e proporciona um elevado valor nutritivo”

Consumo de insetos, a dieta do futuro?

Estes artrópodes comestíveis constituem uma alternativa para combater a insegurança alimentar e reduzir o impacte ambiental da indústria pecuária. Numerosos estudos apontam para os benefícios desta dieta, que faz parte da cultura de algumas regiões do mundo. No México, são parte fundamental da sua gastronomia centenária.

No mercado de San Juan, um dos mais conhecidos da Cidade do México, turistas e habitantes locais olham com curiosidade para a diversificada oferta alimentar que é exposta nos balcões de algumas bancas: pulgões, escaravelhos, larvas de agave, pequenas aranhas servidas fritas ou escorpiões cobertos de chocolate. Um menu gastronómico diversificado elaborado à base de insetos e outros artrópodes endémicos do país, mas também de espécies exóticas como a barata-de -madagáscar.

Se no mundo existem cerca de 1681 espécies destes invertebrados adequados para a alimentação, o México conta com quase uma terça parte delas. “No nosso catálogo, registámos até 605 espécies”, afirma José Manuel Pino Moreno, biólogo especializado em entomologia da Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM), que desenvolve a sua investigação há mais de 40 anos.

Insetos à venda no mercado de San Juan (México). Foto: Andrea J. Arratibel

Insetos à venda no mercado de San Juan (México). Foto: Andrea J. Arratibel.

Este país é uma das regiões mais ricas do mundo em insetos comestíveis. Há anos que a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) recomenda o consumo destes animais como forma de combater a fome e outros problemas socioeconómicos.

A crise climática está a afetar a segurança alimentar em muitos locais do planeta, com secas e inundações cada vez mais frequentes e intensas que causam problemas contínuos na cadeia de abastecimento global, sobretudo nos países de baixos rendimentos.

Segundo uma investigação publicada na revista Science em janeiro, a produção de insetos poderá não só ajudar a atenuar o desafio acima referido, como também impulsionar as economias em desenvolvimento. De facto, em 2015, a Comissão Europeia identificou certos insetos como um novo alimento sob regulamentação e, recentemente, deu luz verde à comercialização do Acheta domesticus, o grilo doméstico.

Enquanto a maioria dos países ocidentais rejeita esta alternativa culinária, na Ásia, África e América Latina, comer insetos é um costume que faz parte do património cultural. No México, por exemplo, a tradição da entomofagia está profundamente enraizada, oferecendo pratos à base de percevejos, borboletas diurnas e noturnas, formigas, vespas e térmitas, entre muitos outros. “E também os produtos elaborados com eles, como molhos, sais, temperos ou gelados”, salienta Pino.

As vantagens proporcionadas por estes animais, o grupo mais dominante sobre a Terra e os conquistadores de praticamente qualquer dos habitats existentes - desde poças de petróleo até minas de sal recônditas - são muitas. De acordo com os seus consumidores, os insetos são limpos, saborosos, inócuos e nutritivos. Excelentes candidatos para complementar outras dietas. A sua criação não exige muitos recursos, sobretudo quando comparada com a produção de carne.

Insetos e escorpiões à venda no mercado de San Juan (México). Foto: Andrea J. Arratibel

Insetos e escorpiões à venda no mercado de San Juan (México). Foto: Andrea J. Arratibel.

Uma alternativa com benefícios para o ambiente e para a saúde

A manutenção de indústrias intensivas, como a agrícola ou a pecuária, implica uma deterioração dos ecossistemas, ao contrário da criação de insetos, que requer pouco espaço para a produção, menor quantidade de alimento, não gera gases com efeito de estufa, proporciona um elevado valor nutritivo e faz parte dos padrões alimentares em muitas partes do mundo.

A criação de animais em grande escala requer enormes quantidades de terra, alimento e água. “A manutenção de indústrias como a agrícola ou pecuária implica um elevado impacte ambiental que já não podemos aceitar”, afirma o especialista da UNAM. Como refere o trabalho recentemente publicado na revista Science, estima-se que a pegada de carbono da criação de carne para consumo humano seja superior a 7100 milhões de toneladas de CO2, o que representa até 14,5% de todos os gases antropogénicos com efeito de estufa que são emitidos. De igual modo, as estimativas da FAO anunciam uma população mundial de 9700 milhões de pessoas em 2050. Para alimentar tanta gente, o mundo deverá mudar para uma produção de baixo custo e fontes intensivas de nutrientes.

“Ao contrário da carne, a produção de insetos requer pouco espaço para a produção, menor quantidade de alimento, não gera gases com efeito de estufa, proporciona um elevado valor nutritivo e faz parte dos padrões alimentares em muitas partes do mundo”, destaca Pino. A eficiente taxa de conversão alimentar dos insetos, que podem ser comidos inteiros, é muito mais económica do que a pecuária tradicional, constituindo um recurso natural renovável.

Como explica o entomologista, embora não possam substituir os vegetais numa dieta humana equilibrada, podem ser utilizados para a complementar. São ricos em proteínas, gorduras, vitaminas, minerais e calorias. “Cem gramas de insetos contêm 67 gramas de proteínas, ao passo que cem gramas de carne contêm 33. Todos os insetos superam o aporte do milho, do trigo e do frango”, refere o especialista, que leva anos a analisar a composição química proximal deste grupo de animais, fazendo comparações do seu valor nutricional com o dos alimentos convencionais.

“Ao longo do seu manuseamento diário no laboratório, apercebemo-nos de que fornecem não só uma grande quantidade de proteínas, como também quantidades consideráveis de gordura. Descobrimos, por exemplo, que as larvas de agave e dos paus contêm ácidos gordos como o ácido oleico, que é tão benéfico para a nossa saúde”, adverte Pino.

No México, a tradição da entomofagia está profundamente enraizada, oferecendo pratos à base de percevejos, formigas, vespas e térmitas. Foto: Pixabay...

No México, a tradição da entomofagia está profundamente enraizada, oferecendo pratos à base de percevejos, formigas, vespas e térmitas. Foto: Pixabay.

Alguns insetos são também ricos em vitaminas do grupo B, ausentes nos vegetais dos trópicos, em vitamina C e A. E outros são ricos em algum mineral, como as moscas, que fornecem cálcio, ou as térmitas, que fornecem fósforo. Os grilos domésticos, por exemplo, têm um elevado teor de ferro e zinco. Também os gafanhotos-do-deserto, pequenos gafanhotos mexicanos, um dos insetos mais consumidos. Os estados do sul, centro e sudeste do país são os principais produtores. “Como Oaxaca, onde a recolha e a venda destes animais ocorre durante todo o ano”, diz o biólogo.

Este estado, conhecido por ter uma das melhores gastronomias a nível nacional, é um dos que maior diversidade de insetos apresenta na dieta das comunidades rurais, que consomem abelhas e vespas, fazem molhos com gafanhotos, com larvas vermelhas de agave e formigas-cortadeiras, bem como sais aos quais se adiciona malagueta e com os quais se prova o mescal. Nesta região também se come o “ahuatle”, o ovo do percevejo de água, conhecido como “axayácatl”.

As consequências de uma indústria emergente

Embora a FAO apoie fortemente o consumo de insetos, revela-se muito cautelosa quanto à importância das condições higiénicas para a criação dos mesmos. Estes animais também podem ser contaminados ou conter alergénios que desencadeiam reações graves. “Para uma produção, comercialização e exportação eficientes nas cadeias de abastecimento de alimentos, continua a ser necessária uma legislação específica com normas e regulamentos de rotulagem”, alerta Pino.

“Estão a ser vendidos insetos para consumo humano sem que se conheça a sua composição nem o local onde são colhidos e armazenados. Uma falta de controlo da inocuidade dos produtos elaborados ao longo de toda a cadeia de transformação pode derivar num grave problema de saúde”, continua.

Por exemplo, para a criação de gafanhotos-do-deserto, estes insetos alimentam-se de milho e alfafa. Se existirem inseticidas nestas culturas, os gafanhotos-do-deserto podem conter compostos nocivos que podem provocar doenças nas pessoas.

Pino aponta para outro risco desta indústria emergente, cujo mercado internacional se estima que cresça a um ritmo anual de 20 a 30%. “Já sabemos o que acontece quando se produz em grande escala. Por isso, é necessário um grande controlo sobre a extração que é feita da natureza. Se começarmos a extrair insetos sem critérios nem inspeções, podemos acabar com eles, levá-los à extinção”, adverte.

Por outro lado, segundo o biólogo, a sua crescente “gourmetização”, como acontece há anos no mercado de San Juan, na capital, pode encarecer o produto, prejudicando as culturas que já consomem insetos como parte da sua dieta. "É importante não só respeitar os hábitos alimentares dos grupos culturais, mas também a forma como preparam os seus pratos, como o fazem há séculos", conclui.

De acordo com o Códice Florentino, escrito por Frei Bernardino de Sahagún entre 1540 e 1585, mais de 96 insetos descritos na época compunham a cozinha dos povos pré-hispânicos do México. Uma cultura centenária que hoje paira sobre o mundo e se anuncia como a dieta do futuro.

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