BrainR, S.A.
Informação profissional para a indústria alimentar portuguesa
Argentina trabalha para melhorar a segurança alimentar da carne

Um cultivo bioprotetor combate a contaminação por E. coli entero-hemorrágica na carne

25/09/2023
Ensaios realizados no Laboratório de Tecnologia de Carnes do Centro de Referência para Lactobacilos do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas da Argentina mostram que a aplicação de uma solução aquosa contendo bactérias lácticas torna indetetável a presença de Escherichia coli previamente inoculada no alimento.

A bactéria Escherichia coli entero-hemorrágica (EHEC) é uma ameaça para a saúde pública. Como explica Silvina Fadda, investigadora do CONICET no Laboratório de Tecnologias de Carnes do Centro de Referência para Lactobacilos (CERELA, CONICET), pode provocar distúrbios intestinais graves, como diarreia com sangue e síndrome hemolítica-urémica (SHU).

“A EHEC habita naturalmente no intestino das vacas - na verdade, dos ruminantes em geral - e é eliminada nas fezes. Pode contaminar o ambiente onde vive, a água e até a pelagem do animal, pelo que é possível a transmissão durante o abate”, adverte Fadda. “Esta ameaça tem de ser combatida através da prevenção”.

Neste sentido, os esforços da equipa de investigação liderada por Fadda para combater esta bactéria patogénica levaram ao desenvolvimento de uma estratégia biológica, baseada na utilização de bactérias lácticas, para eliminar a presença de EHEC na carne e nas superfícies em que esta é processada.

Produto de carne processado (carne picada) suscetível de ser contaminado por EHEC
Produto de carne processado (carne picada) suscetível de ser contaminado por EHEC.

Controlos para evitar a infeção

A dose infeciosa de EHEC é muito baixa: “Bastam 100 células para provocar a doença”, explica a especialista, salientando que a infeção humana por esta bactéria pode ocorrer através da ingestão de alimentos contaminados, como leite, produtos vegetais e, especialmente, carne. No caso da contaminação deste último alimento, o ponto crítico a considerar é o abate.

De acordo com a investigadora, a qualidade microbiológica da carne depende em cerca de 80% da contaminação inicial das carcaças. Mas há outros 20% que resultam da contaminação cruzada com as superfícies de contacto durante o processamento industrial (incluindo as etapas de corte) e a preparação de alimentos.

“Por isso, as estratégias aplicadas pela indústria alimentar desempenham um papel essencial para o controlo da contaminação por microrganismos patogénicos, a fim de prolongar a vida útil e proporcionar alimentos seguros”, refere Fadda. "É muito importante o controlo de todo o processo, que envolve as condições de criação, a alimentação, o abate e até a limpeza do local, visto que, por exemplo, se a água que é utilizada para lavar o estabelecimento contamina a água de rega, esta pode contaminar as culturas", acrescenta, e explica que para isso é aplicado o sistema denominado Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controlo (APPCC ou HACCP, em inglês). “Trata-se de um sistema que aborda a segurança alimentar desde um ponto de vista global, dado que identifica, analisa e controla os perigos físicos, químicos e biológicos das matérias-primas nas diferentes etapas do processo de elaboração e na distribuição do produto. É o sistema mais aplicado e reconhecido internacionalmente, baseado na produção de alimentos seguros a partir de uma abordagem preventiva. E é neste contexto que a equipa do CERELA tem muito a contribuir”.

Imagem, obtida por microscopia eletrónica de varrimento, de um corte de carne onde se encontram células de Escherichia coli entero-hemorrágica...
Imagem, obtida por microscopia eletrónica de varrimento, de um corte de carne onde se encontram células de Escherichia coli entero-hemorrágica.

Bactérias lácticas para o salvamento

A bioproteção aplicada aos alimentos é um processo em que os microrganismos benéficos ou os seus produtos são utilizados para impedir o crescimento de microrganismos indesejáveis. As bactérias lácticas são um tipo de microrganismo que se encontra naturalmente nos alimentos e é sabido que têm propriedades antimicrobianas, o que significa que podem inibir o crescimento de outros microrganismos.

Neste sentido, a bioproteção de alimentos utilizando bactérias lácticas (BL) será uma alternativa de conservação sustentável e ecológica. De acordo com a investigadora, a utilização de bactérias lácticas na bioproteção também pode melhorar a qualidade nutricional e prolongar a vida útil dos alimentos sem afetar o seu sabor e textura.

“As BL inibem o crescimento de microrganismos contaminantes e de agentes patogénicos nocivos, criando vários compostos antimicrobianos que são produzidos por todas as estirpes, como o ácido láctico ou o peróxido de hidrogénio (água oxigenada). Algumas estirpes podem também produzir bacteriocinas, que são pequenas proteínas antimicrobianas que inibem o crescimento de outras bactérias”, explica Fadda. “Por isso, podemos utilizar certas estirpes de BL como culturas bioprotetoras para combater a EHEC na carne e nas superfícies onde a mesma é processada”, salienta.

Desta forma, “podem ser implementados sistemas biológicos ecológicos (sem a adição de aditivos químicos) e com um custo relativamente baixo, para controlar os agentes patogénicos na indústria alimentar, o que terá um impacto positivo tanto na saúde pública como na indústria da carne”.

Da teoria à prática

A estratégia desenvolvida pela equipa consiste em colocar uma concentração elevada de células de BL numa suspensão aquosa (por exemplo, solução fisiológica) e aplicar a preparação sobre o alimento ou na superfície que se pretende proteger de forma biológica.

O alimento a tratar é carne fresca; pode ser carne picada ou cortes de carne por picar (pedaços ou peças inteiras). “Se a carne for picada, adicionamos a solução previamente preparada que contém a cultura bioprotetora e misturamos muito bem (juntamente com os outros ingredientes no caso da preparação de hambúrgueres). Por outro lado, se for um pedaço de carne ou uma superfície de processamento, pulverizamos com um pulverizador nas concentrações adequadas”, explica Fadda.

“As bactérias lácticas adicionadas previnem e/ou impedem a colonização da EHEC. Isto acontece através de diferentes mecanismos. Um muito importante é a vantagem competitiva das BL sobre a EHEC”, e enumera: “Por um lado, a quantidade de células: a Escherichia coli contamina normalmente a carne numa concentração muito baixa (aprox. cem células), enquanto a cultura bioprotetora adicionada contém cerca de um milhão de células de BL por grama de alimento. Isto faz com que as BL não só ocupem mais facilmente o espaço, mas também consumam os nutrientes mais rapidamente do que as poucas células de EHEC. Além disso, o contacto das BL com a EHEC enfraquecida e sob tensão provoca a rutura da sua membrana celular. Deste modo, a célula de EHEC ”esvazia-se“e morre. Estão também envolvidos outros mecanismos moleculares, que ainda não foram desvendados e que são objeto de estudo do nosso grupo”, afirma a investigadora.

Os ensaios no laboratório demonstram que as células patogénicas, previamente inoculadas na carne para o ensaio, são indetetáveis após 48 horas do tratamento com a cultura bioprotetora.

Grupo de trabalho: Da esquerda para a direita: Lucía Cisneros (sentada), Lucila Saavedra, Silvina Fadda, Ayelén Baillo, Alejandra Orihuel...
Grupo de trabalho: Da esquerda para a direita: Lucía Cisneros (sentada), Lucila Saavedra, Silvina Fadda, Ayelén Baillo, Alejandra Orihuel.

No laboratório, os investigadores e investigadoras trabalham agora com estirpes de EHEC de diferente virulência para desenvolver um cocktail que permita testar a eficiência e a projeção da cultura bioprotetora sobre estirpes diferentes daquelas com que têm trabalhado. E, embora atualmente se trabalhe à escala laboratorial, prosseguem também os estudos para avaliar a capacidade de as estirpes de BL selecionadas serem produzidas em maior escala para fins industriais.

Apesar de já existirem registos publicados de que as carnes bioprotegidas não apresentam alterações no aspeto, serão trabalhadas com análises sensoriais para confirmar que a aplicação da cultura bioprotetora não afeta a qualidade organolética (cor, textura, humidade e outras características analisadas com equipamento específico) nem a sensorial (características que podem ser notadas através dos sentidos, como o sabor, o odor, a cor e a textura) das carnes bioprotegidas. As análises sensoriais serão efetuadas por um painel de jurados sem formação (consumidores) e jurados com formação que avaliarão as carnes tratadas apenas com a cultura bioprotetora, comparando com carnes não tratadas.

REVISTAS

NEWSLETTERS

  • Newsletter iAlimentar

    23/06/2025

  • Newsletter iAlimentar

    16/06/2025

Subscrever gratuitamente a Newsletter semanal - Ver exemplo

Password

Marcar todos

Autorizo o envio de newsletters e informações de interempresas.net

Autorizo o envio de comunicações de terceiros via interempresas.net

Li e aceito as condições do Aviso legal e da Política de Proteção de Dados

Responsable: Interempresas Media, S.L.U. Finalidades: Assinatura da(s) nossa(s) newsletter(s). Gerenciamento de contas de usuários. Envio de e-mails relacionados a ele ou relacionados a interesses semelhantes ou associados.Conservação: durante o relacionamento com você, ou enquanto for necessário para realizar os propósitos especificados. Atribuição: Os dados podem ser transferidos para outras empresas do grupo por motivos de gestão interna. Derechos: Acceso, rectificación, oposición, supresión, portabilidad, limitación del tratatamiento y decisiones automatizadas: entre em contato com nosso DPO. Si considera que el tratamiento no se ajusta a la normativa vigente, puede presentar reclamación ante la AEPD. Mais informação: Política de Proteção de Dados

www.ialimentar.pt

iAlimentar - Informação profissional para a indústria alimentar portuguesa

Estatuto Editorial