Ana Coelho Marques1,2, Cláudia Campos Pessoa1,2, Diana Daccak1,2, Inês Carmo Luís1,2, Ana Rita F. Coelho1,2, Paula Scotti-Campos2,3, Manuela Simões1,2, Ana Sofia Almeida2,4, Mauro Guerra5, Roberta Leitão5, Ana Bagulho2,3, José Moreira2,3, Fernando Henrique Reboredo1,2, Paulo Legoinha1,2, Maria Pessoa1,2, José C. Ramalho2,6, José Manuel N. Semedo2,4, Isabel P. Pais2,3, Manuela Silva2,3, José Carlos Kullberg1,2, Maria Brito1,2, António Leitão2,4, Maria José Silva2,6, Ana Rodrigues6, Lourenço Palha7, Cátia Silva7 e Fernando C. Lidon1,2
1Departamento de Ciências da Terra, NOVA School of Science and Technology, Universidade Nova de Lisboa (FCT NOVA)
2Centro de Investigação GeoBioTec, FCT NOVA
3Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I.P. (INIAV), Oeiras
4Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I.P. (INIAV), Elvas
5LIBPhys, Departamento de Física, FCT NOVA
6PlantStress & Biodiversity Lab, Centro de Estudos Florestais (CEF), Laboratório associado TERRA, Instituto Superior de Agronomia (ISA), Universidade de Lisboa (ULisboa)
7Centro de Competências do Arroz (COTArroz), Salvaterra de Magos
30/06/2023O arroz (Oryza sativa L.) é a segunda cultura cerealífera mais cultivada e consumida no mundo. Devido à fácil acessibilidade, é considerado como alimento básico para aproximadamente 2/3 da população mundial [1]. O arroz branqueado é a forma mais consumida, no entanto o arroz integral tem elevado valor nutricional [2]. Neste tipo de grão são preservadas vitaminas e os nutrientes do farelo, que não são removidos [3]. Características como a regularidade de produção, o elevado rendimento industrial e a qualidade do grão fazem com que a variedade Ariete seja considerada a referência para os carolinos e muito apreciada pelos agricultores.
Esta variedade, de origem italiana, é a mais cultivada a nível nacional há cerca de 30 anos. Apresenta bom comportamento fitossanitário e o grão é completamente vítreo e de excelente qualidade gastronómica, o que a coloca em lugar de destaque. A variedade Ceres surgiu da necessidade de existirem variedades nacionais e modernas e foi a primeira variedade portuguesa de carolino introduzida no catálogo nacional de variedades (CNV). É o resultado de cruzamentos efetuados no âmbito do Programa Nacional de Melhoramento Genético de Arroz do INIAV, em pareceria com diversas entidades, durante mais de 10 anos. Em comum, ambas produzem grãos de alta qualidade, classificados como longos e de categoria A, com uma relação de comprimento/largura de 2,6 (Ariete) e 2,5 (Ceres) [4].
A crescente procura por alimentos nutricionalmente enriquecidos é cada vez mais relevante e o desenvolvimento ou otimização de produtos diferenciadores torna-se essencial. Os sistemas alimentares agrícolas são essenciais para fornecer a maior parte dos nutrientes e compostos necessários ao bem-estar e à saúde humana, embora se saiba que a deficiência de micronutrientes afeta cerca de 3 mil milhões de pessoas em todo o mundo [5]. Estudos baseados no consumo diário, de 300 g/dia, reportaram uma concentração de Selénio (Se) insuficiente nos grãos de arroz [6]. O défice de Se, que afeta cerca de 15% da população mundial, resulta em patologias relacionadas com fragilidades nos sistemas imunitário e cardiovascular, e associação a hipotiroidismo, infertilidade masculina, astenia e cancro [7].
A biofortificação é definida como a ‘melhoria das culturas alimentares ao nível nutricional utilizando práticas agronómicas, técnicas de melhoramento transgénico ou convencional’ [8]. A biofortificação agronómica centra-se no enriquecimento vitamínico e em micronutrientes, enquanto o melhoramento convencional consiste em efetuar cruzamentos entre plantas com características de interesse para a obtenção de outras desejáveis.
Neste enquadramento, a aplicação de itinerários técnicos de biofortificação agronómica pode ser adotada como estratégia para aumentar o conteúdo de Se no grão de arroz. No entanto, a biofortificação coloca questões operacionais, científicas, económicas e sociais que importa clarificar, nomeadamente a seleção das variedades a utilizar, o tipo (aplicação foliar ou via solo) e a forma de Se, que sejam mais eficientes e que evitem toxicidades. Aspetos como a melhoria da produtividade, qualidade das culturas, eficiência de nutrientes e tolerância a stress abiótico são promovidos quando o Se é aplicado nas plantas na forma de selenato ou selenito de sódio [9].
Estudos mostraram que a aplicação foliar de selenito é mais eficaz e eficiente do que a aplicação no solo, pois a planta pode ser pulverizada em fases determinantes do seu desenvolvimento, promovendo/favorecendo assim a absorção e rápida assimilação [10]. A absorção de Se pela planta, depende da variedade, das condições de crescimento, entre outros fatores. As alterações climáticas, como a temperatura, velocidade do vento, precipitação e humidade relativa podem afetar o processo. Além disso, as características intrínsecas do solo como pH e teor de matéria orgânica influenciam a disponibilidade para absorção pelas plantas [11].
Itinerário Técnico
Os campos experimentais localizaram-se em plena Lezíria Ribatejana (Salvaterra de Magos) no Centro de Competências do Arroz (COTArroz). Foram utilizadas variedades comerciais de arroz (Ariete e Ceres). O sistema de biofortificação consistiu na pulverização foliar, em campo, com Selénio (Se) nas formas de selenato de sódio (Na2SeO4) e selenito de sódio (Na2SeO3), e testadas 2 concentrações (0 e 300 g Se.ha-1), otimizadas em projetos antecedentes [12].
Nesta fase, considerou-se um delineamento experimental com 1188m2 (33m x 36 m) dividido em blocos casualizados e com arranjo fatorial (2 concentrações x 2 formas de Se x 2 cultivares x 4 replicados = 32 blocos). Os 160 blocos foram dispostos em 80 talhões, onde cada talhão (constituído por 2 blocos de 8m x 1,2m) apresentou área total de 9,6 m2.
Neste artigo são apresentados os resultados referentes ao grão integral e respetiva farinha. A quantificação e localização de Se no grão integral foi determinada por Fluorescência de dispersão de raios-X de micro energia (µ-EDXRF), a proteína total pelo método de Kjeldahl, o peso de mil grãos (PMG) e a análise colorimétrica recorrendo ao sistema CIELab.
Os grãos integrais de plantas sujeitas ao itinerário de biofortificação apresentaram, em ambas as variedades, teores de Selénio (Se) superiores ao controlo (Tabela 1), o que revelou diferenças significativas. A pulverização com selenato, na variedade Ariete, apresentou 9,45 mg.kg-1 de Se enquanto na variedade Ceres se obtiveram 6,95 mg.kg-1.
Relativamente à biofortificação com selenito, embora na variedade Ceres o teor máximo fosse de 14,28 mg.kg-1, foi na variedade Ariete que o aumento foi mais significativo, com incremento até 17,06 mg.kg-1. Resultados da localização tecidular revelaram a distribuição uniforme de Se no grão integral (Figura 1).
Tratamentos/Variedade | Controlo | Selenato | Selenito |
Ariete | - | 9,45 ± 0,67b |
17,06 ± |
Ceres | - |
6,95 ± |
14,28 ± 2,51a |
Tabela 1. Valores médios (n = 4) da concentração de Se (mg.kg-1) ± erro padrão em grão integral (controlo e após aplicação de 300 g Se.ha-1) nas variedades Ariete e Ceres.
Figura 1. Localização de Se no grão integral (controlo e após aplicação de 300 g Se.ha-1).
O conteúdo de proteína revelou diferenças significativas quando ambas as formas de Se foram aplicadas (Figura 2A). Verificou-se uma tendência para subida do teor total de proteína na variedade Ariete quando foi aplicado selenito. Na variedade Ceres, quando aplicado selenato, ocorreu uma diminuição significativa do teor de proteína.
No que diz respeito ao PMG, não se verificaram alterações significativas em ambas as variedades o que permite inferir que a biofortificação não afetou negativamente o desenvolvimento do grão (Figura 2B).
Figura 2. Valores médios (2A, n = 2) da quantificação total de proteína (%) ± erro padrão em farinha integral (controlo e após aplicação de 300 g Se.ha-1) e valores médios (2B, n = 4) do Peso de Mil Grãos (g) ± erro padrão em grão integral (controlo e após aplicação de 300 g Se.ha-1).
A análise colorimétrica revelou luminosidade (L) superior a 50 em todos os tratamentos (Tabela 2). Adicionalmente, os valores de a* e b* foram positivos, o que denota a contribuição das cores vermelho e amarelo. Embora se tenham verificado pequenas oscilações, não se verificaram alterações significativas, ao nível colorimétrico, após aplicação de Se.
Variedade / Tratamento | L | a* | b* |
Ariete Controlo | 61,53 ± 2,81a |
5,35 ± 0,88a |
25,55 ± 1.83a |
Ariete Selenato |
64,34 ± 1,92a |
4,51 ± 0,35a | 24,24 ± 0.39a |
Ariete Selenito |
61,94 ± 1,01a |
4,88 ± 0,16a | 24,00 ± 0.60a |
Ceres Controlo |
61,49 ± 3,31a |
3,05 ± 1,75a | 25,07 ± 1.70a |
Ceres Selenato |
58,43 ± 1,37a |
3,24 ± 0,81a | 23,30 ± 1.45a |
Ceres Selenito |
62,10 ± 1,34a |
4,52 ± 0,20a | 24,09 ± 0.51a |
Tabela 2. Valores médios (n = 4) de colorimetria (coordenadas do sistema CIELab) ± erro padrão em grão integral (controlo e após aplicação de 300 g Se.ha-1). [parâmetro L - representa a luminosidade; a* - contributo do vermelho (+) e verde (-); b* - contributo do amarelo (+) e azul (-)]
Não foram revelados efeitos negativos nos parâmetros de qualidade que contemplaram a quantificação total de proteína, Peso de Mil Grãos e análise colorimétrica. Desta forma, o itinerário técnico de biofortificação de arroz em Se não compromete o ciclo natural da planta e assume-se como uma opção estratégica de novo alimento funcional para minimizar os efeitos na saúde pública resultantes do défice de Se na alimentação e assim valorizar a cadeia de produção.
Agradecimentos
O trabalho foi financiado através do Programa de Desenvolvimento Rural (projeto PDR2020-101-030671), cofinanciado pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), no âmbito do Portugal 2020 Projeto Proder (PA43374). Agradecimento à Fundação para a Ciência e Tecnologia I.P. (2022.10859.BD), Centro de investigação GeoBioTec (UIDB/04035/2020), Centro de Estudos Florestais (UIDB/00239/2020), e Laboratório Associado TERRA (LA/P/0092/2020). Agradecimentos são ainda devidos ao Centro de Competências do Arroz (COTArroz) e à empresa Orivárzea (Orizicultores do Ribatejo, S.A.).
Referências Bibliográficas
1Fraga, H. et al. Future Changes in Rice Bioclimatic Growing Conditions in Portugal. Agronomy 2019, 9, 674
2Fukagawa, N.K. & Ziska, L.H. Rice: Importance for Global Nutrition. J Nutr Sci Vitam 2019, 65, 2–3
3Hansen, T.H. et al. Losses of essential mineral nutrients by polishing of rice differ among genotypes due to contrasting grain hardness and mineral distribution. J Cereal Sci 2012, 56, 307–315
4Almeida, A.S. et al. Variedades Portuguesas de Arroz-Presente e Future. Doss. Técnico-Vida Rural 2020, 42–45. Disponível online: https://www.drapc.gov.pt/base/documentos/vr_variedades_ portuguesas_%20arroz.pdf (acedido em 30/05/2023).
5Batool, K. et al. Biofortification: A New Approach to Enhance the Nutrition in Maize Crop. Ann Rom Soc Cell Biol 2022, 26, 1283–1295
6Williams, P. et al. Selenium Characterization in the Global Rice Supply Chain. Env Sci Tech 2009, 43, 6024–6030
7Rayman, M.P. et al. A randomized trial of selenium supplementation and risk of type-2 diabetes, as assessed by plasma adiponectin. PLoS ONE, 2012, 7
8Agrawal et al., Biofortification to Improve Nutrition: A Review. Int. J. Curr. Microbiol App Sci 2020, 9, 763-779
9Bulgari, R. et al. A. Biostimulants and crop responses: A review. Biol Agric Hortic 2015, 31, 1–17
10Ramkissoon, C. et al. Improving the efficacy of selenium fertilizers for wheat biofortification. Sci Rep 2019, 9, 19520
11Reboredo, F. Zinc compartmentation in Halimione portulacoides (L.) Aellen and some effects on leaf ultrastructure. Environ Sci Pollut R 2012, 19, 2644–2657
12Marques, A.C.; et al. Effect of Rice Grain (Oryza sativa L.) Enrichment with selenium on foliar leaf gas exchanges and accumulation of nutrients. Plants 2021, 10, 288
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