“O mercado está muito vocacionado para a sustentabilidade (…), mas não está disposto a pagar e aqui é que está o problema”
Carlos Miguel Ferreira – Diretor geral do Grupo Diverembal
Após três anos de pandemia, que impossibilitou o contacto cara a cara, a Diverembal apostou na Lisbon Food Affair, que decorreu de 12 a 14 de fevereiro na FIL, em Lisboa, para retomar o contacto com os clientes e para dar a conhecer várias novidades. Estivemos à conversa com o diretor geral, Carlos Miguel Ferreira, que analisou o impacto da inflação e partilhou a sua visão sobre a moda da sustentabilidade: “é tudo muito bonito, mas se formos analisar as soluções alternativas ao que existe, algumas ainda são mais poluentes e com muito mais custos de energia do que as atuais”.
Carlos Miguel Ferreira – Diretor geral do Grupo Diverembal, no stand na Lisbon Food Affair
Qual a sua opinião sobre a primeira edição da Lisbon Food Affair e que novidades estão a apresentar?
Apostámos nesta feira porque seria uma extensão da Alimentária e para retomar o contacto com os clientes, para termos a possibilidade de voltar a estar cara a cara com eles, o que não aconteceu durante a pandemia. No entanto, considero que foi pouco divulgada e que o nome não é o mais adequado. Dá a sensação de ser uma feira regional (com a referência a Lisbon) e não uma feira nacional. Também tem poucos expositores, em comparação com a Alimentária, e passou a ter uma vertente de exportação, que não é o nosso target. Estamos mais voltados para o mercado nacional.
Quanto a novidades, destaco a nível de ingredientes as especiarias com diferentes aplicações, que estão em destaque no Innovation Food. Também temos novas representadas ao nível dos equipamentos, que quisemos dar a conhecer.
Estivemos três anos em pandemia. Como foi esse período para a Diverembal?
As reuniões presenciais foram cada vez menos, funcionávamos muito através de reuniões via Microsoft Teams e outras aplicações, mas como latinos que somos é importante o contacto pessoal. O cara a cara foi a razão pela qual estamos decidimos estar presentes na Lisbon Food Affair.
Como tem sido a evolução ao negócio ao longo destes três últimos anos. Têm tido crescimento?
Devido ao setor onde estamos - a alimentação - e sobretudo por estarmos focados na indústria, e não na hotelaria, a evolução foi positiva. Como havia contenções na hotelaria e restauração, as pessoas preparavam mais refeições em casa e faziam mais compras nos super e hipermercados. Como estamos vocacionados para a indústria não tivemos nenhuma quebra, pelo contrário, houve algum crescimento.
Este ano, a inflação está a afetar o negócio?
O que está a acontecer é uma situação nova e estamos na expectativa para perceber o que se passa. Por um lado, temos de tentar perceber se há alguma retração no consumo devido à inflação, ao aumento do custo de vida e ao não acompanhamento dos salários. Ainda não temos um grande impacto - e esperemos não vir a ter - mas que acho que vai acontecer. Por outro lado, houve um aumento muito substancial das matérias primas que vendemos, que esperamos que exista uma estabilidade e, inclusivamente, algum decréscimo nesses preços.
Aumentaram os vossos preços?
Fomos obrigados porque tínhamos margens pequenas e os impactos eram muito grandes. Não conseguimos, de maneira nenhuma, absorver esse aumento de custos.
E como foi a reação dos clientes?
Não fomos os únicos a aumentar os preços, isto foi transversal e sabemos que, de uma maneira geral, quase tudo aumentou. Os clientes começaram a receber o aumento com alguma resignação, mas já estão a chegar ao limite de poder receber mais subidas. No nosso caso, como trabalhamos com multinacionais, a sensibilidade de mercado para mercado não é assim tão percetível e é muito mais transversal a todos os mercados. Espero alguma estabilidade e é isso que pretendo para este ano.
Como vê o mercado nacional em comparação com os mercados estrangeiros?
O problema do tecido empresarial português na indústria alimentar é que temos muitas pequenas e médias empresas e automatizações ou sistemas com capacidades maiores implicam investimentos muito grandes que, por vezes, não são suportados pelas empresas.
Neste momento, as indústrias estão a sofrer com a falta de mão de obra. Há dificuldade em arranjar pessoas e as empresas têm de ir à procura de alternativas, de automatizações, que nem sempre são baratas. A indústria está a passar uma fase sem saber o que fazer. Como se espera uma retração de consumo, as empresas estão a ponderar se vale a pena fazer investimentos. Estamos a ver se a poeira assenta para depois olhar em frente.
Em termos de inovações que têm apresentado ao setor nos últimos dois anos, qual destaca?
O mercado está muito vocacionado para a sustentabilidade, para procurar soluções e tenho a minha opinião sobre isso: é tudo muito bonito, mas se formos analisar as soluções alternativas ao que existe, algumas ainda são mais poluentes e com muito mais custos de energia do que as atuais, mas é uma moda que temos neste momento. O mercado quer estas modas, mas não está disposto a pagar e aqui é que está o problema.
Têm esses produtos?
Sim, a substituição do plástico por papel ou situações de 100% recicláveis. É tudo muito bonito, mas quando falamos que pode representar 30 ou 40% a mais no valor de uma embalagem, o mercado não está disposto a pagar. Se os preços já estão como estão, e se o produto que colocamos dentro da embalagem já está a aumentar, então com este aumento da embalagem começa a ser difícil para o mercado conseguir absorver isso.
O desafio não será baixar os valores desses novos produtos gradualmente ou não é possível?
Tudo é possível. Quando se lança uma novidade, a tendência é que seja mais cara, mas quando começa a entrar na fase de maturidade do produto, há uma baixa de preço, pois mais empresas estão a desenvolver e a fabricar o mesmo produto. Mas até isso acontecer, o preço vai ser alto.
A nível de inovações que temos apresentado, estão relacionadas com opções veganas e vegetarianas, que são outra tendência. A verdade é que as pessoas estão a ter mais cuidado com o que comem e existe mercado para produtos vegetarianos (o vegano é mais sectorial, é um nicho). Também temos os flexitarianos, que por vezes querem fazer refeições diferentes, mas ainda assim não está a ter o impacto que se esperava. Embora existam soluções no mercado e publicidade – estamos inclusive a apresentar na feira soluções desde patés veganos, nugets veganos, atum vegano -, mas depois não há mercado e as empresas são pequenas. Por vezes, com as representadas internacionais, os volumes de compra que nos pedem são muito grandes e torna-se difícil.
Na sua perspetiva, quais as principais dificuldades do setor nos dias de hoje?
A par do custo da energia e da falta de mão de obra, um dos problemas mais grave está relacionado com o facto de a indústria não conseguir passar às grandes superfícies os aumentos reais dos custos que tem. E a indústria vê-se sufocada pelo aumento das matérias primas e não tem soluções alternativas. Logo, quando o seu cliente tem poder negocial e um peso muito grande na sua faturação, isso sufoca as indústrias porque esmaga margens e há dificuldade em criar condições para trabalhar de forma saudável, além de criar entropias no sistema.
Quais poderiam ser as soluções perante essa dificuldade no relacionamento com as grandes superfícies?
Devia haver mais coesão dos industriais no sentido de fazer ver que os aumentos que estão a fazer não são para terem mais margens, mas porque é a realidade. Havendo coesão conseguiriam estar mais equilibrados e não existir uma pressão muito grande, que é o que está a acontecer neste momento na indústria.
Quanto ao controlo da qualidade e rotulagem, de que forma este tema tem sido tratado e melhorado nas vossas soluções?
A nível de controlo de qualidade ou inspeção temos algumas soluções que passam por um detetor de metais com verificação de peso, que podem ser soluções combinadas ou em separado, e um pouco mais à frente a questão dos raios x, embora seja uma tecnologia ainda um pouco cara, mas crucial para o futuro e terá tendência a reduzir os custos. Isto para a questão da segurança alimentar. A nível de inspeção temos algumas soluções que visualizam a falta de etiqueta e que rejeitam o produto. É o que temos para apresentar ao mercado.
A nível de inovações no sector da carne e pastelaria, algumas a destacar?
O destaque vai para os produtos sem alergénios, não só na carne, mas também na panificação. Estamos a trabalhar nesse sentido e temos algumas soluções, mas voltamos ao mesmo: essas soluções são mais caras do que as atuais e o mercado tem alguma dificuldade em absorver esse custo.
A Diverembal apostou na Lisbon Food Affair para retomar o contacto com os clientes e para dar a conhecer várias novidades