Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE). Fonte: TJUE.
Com efeito, a jurisprudência – e nomeadamente os acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), que está sedeado em Luxemburgo – contribui para a interpretação e aplicação dessas disposições, constituindo, portanto, um elemento imprescindível para uma análise jurídica precisa e exaustiva de um qualquer caso concreto. Os tipos de recursos que podem dar origem a decisões jurisdicionais a nível comunitário são vários, constituindo tais decisões, à partida, precedentes jurisprudenciais vinculativos. Além disso, os acórdãos do TJUE podem ser relevantes para diferentes áreas, questões ou produtos abrangidos pelo direito agroalimentar. Neste sentido, com este artigo pretende-se dar conta de alguns dos acórdãos que marcaram 2022 no que diz respeito à segurança, qualidade e rotulagem alimentar.
Na causa Romega, requereu-se a interpretação do TJUE da legislação europeia relativa à segurança dos alimentos e aos critérios microbiológicos.
No caso concreto, uma empresa de comércio por grosso de carne fresca de aves de capoeira, contestava o facto que as autoridades lituanas tivessem considerado como não segura e, por isso, ordenado a retirada do mercado da carne que a empresa comercializava por ser contaminada com serotipos de salmonela (Kentucky e Infantis) não expressamente mencionados pela legislação europeia que estabelece critérios microbiológicos para este tipo de produto (isto é, o anexo I, capitulo 1, ponto 1.28 do regulamento (CE) n.º 2073/2005 como alterado pelo regulamento n.º (CE) 1806/2011) e não obstante o cumprimento dos limites fixados para os serotipos legislados Enteritidis e Typhimurium.
No entanto, ao dirimir a controvérsia, o TJUE forneceu uma interpretação em linha com a posição sustentada pelas autoridades lituanas e assente no disposto do artigo 14.º, n.º 8, do regulamento (CE) n.º 178/2002 (‘General Food Law’), o qual prevê que "a conformidade de um género alimentício com as disposições específicas que lhe são aplicáveis não impedirá as autoridades competentes de tomar as medidas adequadas para impor restrições à sua colocação no mercado ou para exigir a sua retirada do mercado sempre que existam motivos para se suspeitar que, apesar dessa conformidade, o género alimentício não é seguro". A este respeito, o TJUE concluiu que, por muito que os dois serotipos detetados pelas autoridades lituanas pareçam menos comuns daqueles expressamente regulamentados pela legislação europeia, o seu efeito nocivo para saúde não pode, no entanto, ser excluído. Desta perspetiva, o acórdão confirma e reforça a discricionariedade de que as autoridades sanitárias europeias gozam para assegurar um elevado nível de proteção dos consumidores e saúde pública.
Durante o processo, o governo dinamarquês defendeu que o regulamento (UE) n.º 1151/2012 se aplicaria apenas aos produtos vendidos no mercado europeu, não impedindo, portanto, as empresas dinamarquesas de utilizarem a denominação ‘feta’ para designar queijos dinamarqueses exportados para mercados em que tal denominação não é protegida. No entanto, o TJUE julgou esta prática ilegal na medida em que acaba por prejudicar dois objetivos fundamentais da legislação em causa, ou seja, garantir a proteção dos direitos de propriedade intelectual que decorrem das DOP e de outras indicações geográficas bem como assegurar rendimentos justos aos produtores desses produtos agrícolas de qualidade.
O acórdão LSI -Germany GmbH é diretamente relevante para a rotulagem alimentar e, em concreto, para a denominação de venda de produtos que sofreram reformulação com vista a obter um perfil nutricional mais saudável e/ou um diferente posicionamento no mercado.
Com efeito, o litígio teve origem na comercialização pela LSI- Germany GmbH de um salame de carne de ave em que a gordura animal foi substituída por gordura e óleo vegetais. Segundo a posição defendida pelas autoridades alemãs, os ingredientes substitutos deveriam ter sido declarados em proximidade do ‘nome do produto’ em causa (ou seja, ‘BiFi The Original Turkey’), conforme quanto previsto pelo ponto 4 do anexo VI do regulamento (UE) n.º 1169/2011, e não - como aliás tinha feito a própria LSI- Germany GmbH - em proximidade da ‘denominação do género alimentício’, na aceção do artigo 17.º do mesmo regulamento (ou seja, ‘mini-salame de ave com gordura de palma e óleo de colza’).
No entanto, o TJUE esclareceu que, para efeito da legislação europeia sobre a rotulagem alimentar, o ‘nome do produto’ não é, afinal, algo diferente da ‘denominação do género alimentício’, não se devendo, portanto, interpretar o primeiro como um conceito com um significado mais amplo que abranja nomeadamente marcas registadas, brands e nomes de fantasia atribuídos aos géneros alimentícios.
Referências
www.ialimentar.pt
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