A resiliência revelada pelo setor é agora posta à prova com o aumento da inflação e todas a consequências daí decorrentes: à escassez das matérias-primas junta-se o respetivo aumento do preço, que também se aplica à energia e à distribuição. Com isso, as margens encolhem e as empresas não têm outra alternativa que não repassar os custos (ou parte deles) para o consumidor.
O pão faz parte integrante da gastronomia portuguesa. Sendo assim seria de pensar que este é um setor protegido, no sentido em que não sofre tanto com as inconstâncias do mercado. Seria, porque há quem pense o contrário.
Hélder Pires, presidente da Associação do Comércio e da Indústria de Panificação, Pastelaria e Similares (ACIP), afirma mesmo que os principais desafios do setor assentam numa inflação média nos preços da matéria-prima superior a 30%. Pior, com tendência crescente e a que se junta preços da energia elevados e dificuldades em recrutar mão-de-obra. Já para António Fontes, presidente da Associação dos Industriais de Panificação, Pastelaria e Similares do Norte (AIPAN), o principal desafio da Padaria Tradicional é a sobrevivência. “Face à tipologia de cada empresa, acreditamos ser possível ultrapassar este momento. Isto quer dizer, que as empresas familiares, mais pequenas, terão menos sofrimento, face às semi-industrializadas e às industriais. Daí, entenda-se, que o setor seja maioritariamente constituído por pequenas empresas, familiares de âmbito local e regional”, constata, acrescentando que, apesar de tudo, “os consumos decrescem dia após dia, muito pela via da proliferação e permanente abertura de lojas da grande distribuição, que, como se constata, emergem do litoral, e das zonas urbanas, para o interior, não respeitando culturas e a socialização dos nossos produtos tradicionais”.
Opiniões que são substanciadas pelos valores recolhidos pela Informa. Em abril deste ano, a publicação do estudo setorial referente a 2020, apontava uma queda de 4,1% na faturação da Panificação e Pastelaria Industrial, fixando-se nos 700 milhões de euros. O estudo indica que, para além da quebra registada no mercado interno deu-se, também, um recuo de 2,3% nas exportações, fruto dos efeitos da pandemia na hotelaria e restauração. No entanto, os dados também apontam que o impacto da pandeia foi menor do que no restante tecido empresarial. isto porque as empresas do setor registam uma maior resiliência.
Este é um setor onde 64% das empresas se dedicam à panificação e apenas 26% são fabricantes de bolachas, bolos e pastelaria industrial. No total são mais de 6.000 empresas que asseguram cerca de 43.500 postos de trabalho. Segundo dados da Informa, as regiões Norte e Centro reúnem cerca de 70% das empresas. O estudo refere que o setor apresenta um alto grau de fragmentação, com predomínio de empresas de dimensão reduzida. Cerca de 80% dos operadores têm menos de 10 empregados e apenas 5 empresas empregam mais de 250 trabalhadores.
Dados da Informa indicam que as regiões Norte e Centro reúnem cerca de 70% das empresas do setor.
Sobre a situação atual, António Fontes, aponta que as consequências da guerra na Ucrânia trouxeram um mundo novo de contrariedades. Desde logo o aumento o preço das matérias-primas, a par da energia, combustíveis, etc. “Quanto é que subiu cada um destes produtos indispensáveis para a nossa atividade, e quando para de subir, é a questão atual!”, aponta o presidente da AIPAN, que acrescenta que “o certo é que estamos no fim da cadeia, e temos vindo a suportar todos os custos, com enorme esforço financeiro, que coloca em grande risco muitas empresas”. A tudo isto Ricardo Franco, fundador do ChefPanda, acrescenta o aumento dos custos de distribuição. Fator que pesa especialmente na sua empresa, dado ser um marketplace e funcionar exclusivamente online.
Mas a grande questão não é só o aumento dos preços, embora isso seja importante. O desafio é, igualmente, a escassez de algumas matérias-primas, aponta João Ferreira, gestor da Indusstock. No caso específico desta empresa, como fabricante de equipamentos para o setor alimentar, esta não é afetada diretamente pelos fatores mencionados, mas sim pelo menor grau de investimentos do setor devido às dificuldades abordadas. Sem esquecer que a pandemia provocou uma falta de materiais a nível mundial que ainda está a causar constrangimentos enormes ao nível do desenvolvimento e construção de equipamentos. “Inicialmente foi mais notório ao nível dos componentes eletrónicos, mas rapidamente alastrou a um leque muito vasto de componentes”, constata João Ferreira, que acrescenta que “a pandemia continua a afetar os construtores de equipamentos e a guerra está a afetar igualmente os nossos clientes”.
“Os subsetores da pastelaria e da padaria em conjunto representam aproximadamente 300 milhões de euros de exportações nacionais, englobados num setor, o agroalimentar, que representa cerca de 11% das exportações nacionais e 3% do PIB”, diz Hélder Pires, presidente da ACIP
Todas as condicionantes estão a esmagar as margens operacionais das empresas. O que não é financeiramente sustentável a médio longo prazo. Questionados sobre se se viram obrigados a aumentar os preços a resposta foi: sim. Já aconteceu. A Chefpanda, por exemplo, revela Ricardo Franco, deixou de ter entrega grátis (exceto alguma campanha de marketing assim o permita). “Porém, a entrega custa apenas 2,90 euros na grande maioria das localidades e alguns produtos (sobretudo alimentares) também tiveram o preço atualizado face ao aumento do custo de produção”, acrescenta.
“Se os preços das matérias-primas e da energia não estabilizarem, uma parte do seu agravamento terá reflexo nos preços de venda dos nossos produtos. Possivelmente haverá diminuição no consumo como consequência conjugada do aumento de preço dos nossos produtos com a inflação de preços generalizada que afeta todas as famílias”, analisa Hélder Pires. Uma opinião partilhada por João Ferreira, que refere que se o aumento de preços já é bem notório, a diminuição do consumo deverá ser mais visível no próximo ano.
O preço do pão subiu em média 20 a 30%. Quem o diz é António Fontes, que aponta que este valor não reflete de maneira nenhuma os aumentos das matérias-primas e subsidiárias que chegam a ultrapassar os 100%. O presidente da AIPAN refere ainda que a grande distribuição utiliza fortemente o pão como promoção e campanha das suas vendas. “O pão é um alimento histórico, e de enorme valor social, que não tem marca e que deve ser respeitado e valorizado”, afirma.
Quanto ao futuro, e no caso específico das máquinas, a opinião de João Ferreira é a de que a Europa não pode depender de uma forma tão acentuada dos fornecedores externos. Face a isto o gestor acredita que haverá um incremento da autonomia, quer produtiva quer energética de cada país e fundamentalmente da Europa.
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