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Regulamentação sobre a rotulagem dos géneros alimentícios: alguns desafios atuais

Francesco Montanari, Inês Ferreira e Joana Oliveira | Arcadia International10/10/2022
A legislação que regulamenta a rotulagem dos géneros alimentícios e, mais em geral, a prestação de informações ao consumidor apresenta-se como um conjunto complexo de normas de derivação europeia e nacional e que podem ser relevantes para a generalidade dos produtos ou apenas para categorias específicas. De modo geral, esta legislação exige revisões e atualizações periódicas para poder responder às novas exigências dos consumidores e dos operadores do setor que podem vir a surgir.

Posto isso, neste artigo, pretendemos analisar duas áreas que o legislador europeu está neste momento a trabalhar com o objetivo de definir novas normas de rotulagem - nomeadamente no que diz respeito às bebidas alcoólicas e ao bem-estar animal – e que se afiguram como uns dos desafios mais importantes nesta área, face à ambição da União Europeia (UE) de incentivar padrões de produção e consumo mais sustentáveis.

Bebidas alcoólicas

Em fevereiro de 2021, a Comissão Europeia (CE) adotou o Plano Europeu de Luta contra o Cancro. Umas das suas áreas de atuação inclui a redução do consumo nocivo de álcool. Neste contexto, a CE comprometeu-se a propor a indicação obrigatória da lista de ingredientes e da declaração nutricional nas bebidas alcoólicas antes do final de 2022 e das advertências de saúde (‘health warnings’) nos rótulos destas bebidas antes do final de 2023 (Comissão Europeia 2021a).

Atualmente, e de acordo com o Regulamento (UE) nº 1169/2011, as bebidas alcoólicas que contenham mais de 1.2% em volume de álcool estão isentas da obrigatoriedade da indicação da lista de ingredientes e da declaração nutricional. No entanto, alguns Estados-membros podem prever requisitos adicionais de rotulagem para determinadas bebidas alcoólicas (ex. em Portugal, o rótulo da cerveja deve conter a lista de ingredientes). Além disso, o próprio setor europeu das bebidas alcoólicas, incluindo a cerveja, o vinho e as bebidas espirituosas, tem promovido, desde 2018, a autorregulação do mercado nesta área pelo que algumas informações estão já a ser disponibilizadas por muitos operadores na embalagem dos seus produtos ou através de soluções digitais.

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As bebidas alcoólicas que contenham mais de 1.2% em volume de álcool estão isentas da obrigatoriedade da indicação da lista de ingredientes e da declaração nutricional.

Neste contexto, a obrigatoriedade da indicação da lista de ingredientes e da declaração nutricional nas bebidas alcoólicas deverá resultar da revisão do Regulamento (UE) nº 1169/2011 que está a decorrer este ano. Concretamente, a CE está a analisar em que medida essas informações devem ser dadas no rótulo ou se certas informações podem ser fornecidas fora dele (ex. soluções digitais). De qualquer forma, o impacto desta revisão será limitado porque muitos produtos no mercado europeu já ostentam estas informações. Esta iniciativa de revisão do Regulamento (UE) n.º 1169/2011 vai complementar outras iniciativas em curso, como por exemplo a introdução da rotulagem nutricional na frente da embalagem, que terá com certeza um impacto maior (Ferreira, I. & Oliveira, J. 2022).

No entanto, estas propostas de rotulagem das bebidas alcoólicas foram recebidas com reações mistas, com alguns stakeholders a apoiar totalmente que as bebidas alcoólicas fossem tratadas como qualquer outro alimento ou bebida, enquanto outros a oporem-se à indicação destas informações no rótulo, favorecendo o uso de outras soluções como as digitais.

No que diz respeito às advertências de saúde nas bebidas alcoólicas, França foi o primeiro Estado-Membro a estabelecer a obrigação de informar o consumidor sobre o perigo associado ao consumo de álcool. Neste país, desde 2007, é obrigatório indicar no rótulo de uma bebida alcoólica, incluindo as importadas, a declaração 'O consumo de bebidas alcoólicas durante a gravidez, mesmo em pequenas quantidades, pode ter consequências graves para a saúde da criança' ou o uso de um pictograma (figura 1). Por outro lado, em Portugal, não existem até à data requisitos obrigatórios ou diretrizes oficiais nesta área. Como antecipado, dado o impacto negativo que o consumo de álcool tem na saúde publica, a CE vai avaliar em breve qual a melhor opção legislativa em termos de rotulagem para assegurar um elevado nível de proteção dos consumidores. No entanto, importa também referir que, no início deste ano, o Parlamento Europeu (PE) votou contra o uso de advertências sobre o cancro nos rótulos das bebidas alcoólicas semelhantes às que existem atualmente nos maços de tabaco, sendo, porém, a favor de mensagens de consumo moderado e responsável. Posição, esta, que a CE não poderá deixar de ter em conta.

Figura 1. Pictograma - advertência sobre beber durante a gravidez. Fonte: ResearchGate, disponível em https://www.researchgate...

Figura 1. Pictograma - advertência sobre beber durante a gravidez. Fonte: ResearchGate, disponível em https://www.researchgate.net/figure/Official-French-pictogram-to-be-placed-on-alcohol-containers-sold-on-the-French-territory_fig1_322906146

Bem-estar animal

Atualmente, na UE existe apenas um sistema obrigatório de rotulagem sobre o bem-estar animal, que se aplica aos ovos de mesa. Neste âmbito, todos os ovos devem ser rotulados de acordo com o tipo de produção utilizado, isto é, 'ovos de galinhas criadas ao ar livre', 'ovos de galinhas criadas no solo' ou 'ovos de galinhas criadas em gaiolas' (Comissão Europeia 2008).

Como resultado, a maioria dos restantes rótulos de géneros alimentícios de origem animal que se encontram no mercado apenas compreendem informação voluntária relativa ao bem-estar animal, resultante de sistema de rotulagem e certificação nacional (Pombo 2021) ou de alegações feitas pelos próprios operadores (self-declared claims).

A título de exemplo, na tabela 1 encontram-se representados alguns sistemas de rotulagem voluntários existentes no mercado europeu. Atualmente, existem diversos tipos de rótulos com particularidades muito diferentes entre si, como, por exemplo, o nível de bem-estar animal que cada um representa. Certos rótulos apresentam níveis progressivos de conformidade de bem-estar animal, demonstrados através de letras ou símbolos - como no caso do rótulo Beter Leven, com estrelas, e do Bedre Dyrevelfærd, com corações - nos quais existem diferentes critérios que o operador deve cumprir consoante o nível de bem-estar animal que ostenta. Já outros rótulos, como o rótulo alemão, português e espanhol identificados na tabela, apresentam apenas um nível (Montanari, F. & Ferreira, I. 2022).

Tabela 1. Exemplos de rótulos de bem-estar animal na UE
Tabela 1. Exemplos de rótulos de bem-estar animal na UE.

Fonte: Beterleven, disponível em: https://beterleven.dierenbescherming.nl/english/; Bedre-dyrevelfaerd, disponível em: https://bedre-dyrevelfaerd.dk/servicemenu/english/; Pro weideland, disponível em: https://proweideland.eu/label/; Filporc, disponível em: https://filporc.pt/pt; WelfaiR® certificate, disponível em: https://www.animalwelfair.com/es/; Comissão Europeia (2022) Study on Animal Welfare Labelling, Final Report.

Segundo um recente estudo da CE, estes esquemas voluntários referentes à rotulagem de bem-estar animal apenas existem em alguns Estados-membros da UE. 16 Estados-membros não possuem qualquer tipo de sistema de rotulagem nesta área, o que, segundo o estudo, não satisfaz a procura e a exigência de melhor informação sobre o bem-estar animal por parte dos consumidores. Além disso, há algumas evidências de má interpretação e confusão por parte dos consumidores, uma vez que existe uma grande variedade de rótulos diferentes alusivos ao bem-estar animal (Comissão Europeia 2022).

Tendo em conta a falta de harmonização nesta matéria, no âmbito da Estratégia do Prado ao Prato, adotada a 20 de maio de 2020, a CE indicou como uma das suas prioridades rever a legislação em vigor, considerando opções de rotulagem relativa ao bem-estar animal com o intuito de melhor transmitir valor através da cadeia alimentar (Comissão Europeia 2020).

Com base nisso, a CE está neste momento a analisar diferentes opções de rotulagem para esta área especifica e nomeadamente: a regulamentação de alegações de bem-estar animal estabelecendo requisitos mínimos comuns (como existe para as alegações nutricionais e de saúde); o desenvolvimento de um rótulo de bem-estar animal (voluntário ou obrigatório) limitado a sistemas de gaiolas /não – gaiolas; e ainda, o desenvolvimento de um rótulo de bem-estar animal (voluntário ou obrigatório) com critérios-chave, que aborde todos os aspetos pertinentes a esta questão, incluindo todas as espécies animais e todas as fases do ciclo de vida do animal (criação, abate e transporte) (Comissão Europeia 2021b). A escolha da CE deverá saber-se no final do próximo ano.

Referências

  • Comissão Europeia (2008) Regulamento (CE) nº 589/2008 que estabelece as regras de execução do Regulamento (CE) nº 1234/2007 do Conselho no que respeita às normas de comercialização dos ovos, JO L 163, 24.6.2008, p. 6–23
  • Comissão Europeia (2020) Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité económico e social europeu e ao Comité das regiões, Estratégia do Prado ao Prato para um sistema alimentar justo, saudável e respeitador do ambiente, Bruxelas, 20.5.2020, COM (2020) 381 final
  • Comissão Europeia (2021a) Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho, Plano Europeu de Luta contra o Cancro, Bruxelas, 3.2.2021 COM (2021) 44 final
  • Comissão Europeia (2021b) Inception Impact Assessment. Revision of the EU legislation on animal welfare, Ref. Ares (2021)4402058, 06.07.2021
  • Comissão Europeia (2022) Study on Animal Welfare Labelling, Final Report, ICF, fevereiro 2022
  • Ferreira, I. & Oliveira, J. (2022) Informação nutricional na frente da embalagem na União Europeia: Qual o futuro?, ialimentar, junho 2022 Nº4
  • Montanari, F., Ferreira, I. (2022) Rotulagem dos géneros alimentícios sobre bem-estar animal, em Montanari, F., Pinto de Moura, A., Cunha, L.M., Manual de Rotulagem Alimentar – Abordagem integrada desde os operadores económicos ao consumidor, Afrontamento
  • Parlamento Europeu e Conselho (2011) Regulamento (UE) nº 1169/2011 relativo à prestação de informação aos consumidores sobre os géneros alimentícios, que altera os Regulamentos (CE) nº 1924/2006 e (CE) nº 1925/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga as Directivas 87/250/CEE da Comissão, 90/496/CEE do Conselho, 1999/10/CE da Comissão, 2000/13/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, 2002/67/CE e 2008/5/CE da Comissão e o Regulamento (CE) nº 608/2004 da Comissão, JO L 304, 22.11.2011, p. 18–63
  • Pombo, S. (2021) Bem-estar animal, segurança alimentar e certificação – um trunfo para a suinicultura nacional, disponível em: https://suinicultura.com/bem-estar-animal-seguranca-alimentar-e-certificacao-um-trunfo-para-a-suinicultura-nacional/.

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