As alergias alimentares afetam cerca de 0,3 a 5,6% da população na Europa1,2 e cerca de 1,9 – 5,6% das crianças. As reações alérgicas aos alimentos são responsáveis por bastantes internamentos em hospitais devido a reações agudas3. Isto significa que na população de 450 milhões dos 27 Estados-membros da União Europeia (UE), cerca de 1,4 - 25 milhões de pessoas sofrem desta patologia. Muitas crianças superam as alergias, como por exemplo, às proteínas do leite de vaca (APLV) e ao ovo, por volta dos 5-7 anos. No entanto, outras alergias, como a peixe e ao amendoim, tendem a persistir.
Tem-se verificado, nos últimos anos, um número crescente de crianças, jovens e adultos com este tipo de alergia, que consiste numa resposta imune inadequada a uma proteína, fazendo com que o alimento provoque uma reação alérgica ao ser ingerido. Do ponto de vista de saúde pública e segurança alimentar, as reações com maior impacto são aquelas em que o sistema imunológico produz anticorpos imunoglobulina E (IgE) devido à presença de certas proteínas nos alimentos. Não existe cura para a alergia alimentar, e por esse motivo, os indivíduos alérgicos devem evitar todos alimentos que contenham os ingredientes aos quais são sensíveis.
Embora os alimentos que podem provocar reações alérgicas sejam inofensivos para a maioria das pessoas, os mesmos têm o potencial de causar uma reação adversa se ingeridos por alguém alérgico. A quantidade de alergénio que pode desencadear a resposta anormal do sistema imunológico dos indivíduos, pode variar consideravelmente (de microgramas a gramas), dependendo de vários fatores, nomeadamente da tolerância pessoal, da saúde e da medicação. Alguns indivíduos altamente sensíveis podem reagir a níveis muito baixos (microgramas) e sofrer uma reação grave, quando a maioria apresenta apenas reações ligeiras.
Os alimentos e derivados que constam na referida lista são aqueles que foram identificados como de importância para a saúde pública, e por esse motivo requerem rotulagem obrigatória. Na UE, a lista constante no Anexo II do Regulamento (UE) nº 1169/2011, foi elaborada com base no parecer científico da European Food Safety Authority (EFSA) sobre a avaliação de alimentos e ingredientes alimentares alergénios para fins de rotulagem. Importa referir que a lista de alergénios de rotulagem obrigatória não é igual em todos os países, veja-se o exemplo dos Estados Unidos da América, país em que apenas são considerados oito alimentos alergénios, o que configura uma realidade distinta da existente na União Europeia, pois estão listadas catorze substâncias ou produtos que provocam alergias ou intolerâncias. De notar que nem todos os países possuem regulamentação de rotulagem de alergénios alimentares. Nesses casos, devem ser considerados os alergénios prioritários listados no 'General Standard for the Labelling of Packaged Foods', do Codex Alimentarius (FAO/WHO), que são recomendados como a lista mínima de alergénios que devem ser geridos.
Nas referidas listagens surgem algumas exclusões, de alguns alimentos que no estado processado não representam um perigo para os indivíduos anormalmente sensíveis a algumas proteínas. Como as reações alérgicas começam com o reconhecimento do alergénio (proteína), qualquer processo que modifique a estrutura de uma proteína terá a possibilidade de afetar a alergenicidade. Certos métodos de processamento de alimentos induzem várias mudanças físicas, químicas e bioquímicas que são conhecidas por impactar a potência alergénica das proteínas. A remoção da fração proteica do alimento pode reduzir a exposição a alergénios o suficiente para prevenir reações alérgicas (por exemplo, óleo de soja refinado). No entanto, não há regras gerais sobre como diferentes alimentos alergénios respondem a métodos de processamento físico (térmico e/ou mecânico), químico ou bioquímico. Consequentemente, a menos que existam evidências objetivas de que um método de processamento específico reduz a alergenicidade, deve-se presumir que o potencial alergénio de um alimento processado é idêntico ao do alimento na forma não processada.
A gestão de risco eficaz de alergénios alimentares requer uma consideração cuidadosa da presença dos mesmos, tanto intencional da formulação/receita como não intencional, por meio de contaminação cruzada em todas as etapas da produção de alimentos, desde a exploração agrícola até ao consumidor. A avaliação de risco de alergénios deve fazer parte da análise de perigos e pontos críticos de controlo (HACCP - Hazard Analysis and Critical Control Point) que o operador da área alimentar (indústria, canal HORECA, distribuição) deve realizar. A análise HACCP permitirá identificar onde ocorrem os riscos de alergénios e se os sistemas existentes podem gerir o risco, sob condições operacionais normais e boas práticas de fabrico. Essa análise de risco deve ser realizada por especialistas com formação adequada, por exemplo membros da equipa HACCP, como parte integrante do sistema de qualidade e segurança alimentar do fabricante/operador da área alimentar.
A nível de regulamentação europeia, a acrescer ao já referido Regulamento (UE) nº 1169/2011, foi publicado em 2021 o Regulamento (UE) 2021/382 relativo à higiene dos géneros alimentícios no que se refere à gestão de alergénios alimentares, à redistribuição dos alimentos e à cultura de segurança dos alimentos. Em setembro de 2020, a Comissão do Codex Alimentarius adotou um código de conduta em matéria de gestão de alergénios alimentares para os operadores de empresas do setor alimentar (CXC 80-2020), incluindo recomendações sobre a mitigação dos alergénios alimentares através de uma abordagem harmonizada na cadeia alimentar com base em requisitos gerais de higiene. Tendo em conta a adoção da norma mundial CXC 80-2020 e as expectativas dos consumidores e dos parceiros comerciais de que os alimentos produzidos na UE cumpram pelo menos esta norma mundial, foi necessário incluir requisitos que introduzam boas práticas de higiene para evitar ou limitar a presença de substâncias que provocam alergias, em equipamentos, veículos e/ou contentores utilizados para a recolha, o transporte ou a armazenagem de géneros alimentícios.
Para além dos documentos legais, que estabelecem os requisitos no que respeita a produção e distribuição de alimentos seguros para indivíduos com alergia alimentar, existem também certificações voluntárias como a certificação BRCGS - Global Standard Food Safety, a IFS Food Standard e a FSSC 22000 que incluem nos seus referenciais um capítulo dedicado à gestão de alergénios. Também voluntária, foi a publicação do 'Guia de gestão de alergénios alimentares para produtores de géneros alimentícios' ('Guidance on Food Allergen Management for Food Manufacturers') elaborado pela Confederação Europeia da Indústria alimentar (FoodDrinkEurope). Este guia estabelece princípios gerais que podem ser utilizados na produção de géneros alimentícios pré-embalados, sendo que também são aplicáveis a produtos a granel.
A gestão dos alergénios alimentares constitui assim um desafio para a indústria, que alia o conhecimento científico na área da imunoalergologia e da engenharia dos alimentos. A atualização de conhecimentos e a formação são importantes em diversas áreas, mas revelam-se determinantes quando está em risco a saúde e até a vida dos consumidores.
1. Lyons SA, Burney PGJ, Ballmer-Weber BK, Fernandez-Rivas M, Barreales L, Clausen M, Dubakiene
R, Fernandez-Perez C, Fritsche P, Jedrzejczak-Czechowicz M, Kowalski ML, Kralimarkova T, Kummeling I, Mustakov TB, Lebens AFM, van Os-Medendorp H, Papadopoulos NG, Popov TA, Sakellariou A, Welsing PMJ, Potts J, Mills ENC, van Ree R, Knulst AC, Le TM. Food Allergy in Adults: Substantial Variation in Prevalence and Causative Foods Across Europe. J Allergy Clin Immunol Pract. 2019 Jul-
Aug;7(6):1920-1928.e11. doi: 10.1016/j.jaip.2019.02.044. Epub 2019 Mar 19. PMID: 30898689.
2. Lyons SA, Clausen M, Knulst AC, Ballmer-Weber BK, Fernandez-Rivas M, Barreales L, Bieli C, Dubakiene R, Fernandez-Perez C, Jedrzejczak-Czechowicz M, Kowalski ML, Kralimarkova T, Kummeling I, Mustakov TB, Papadopoulos NG, Popov TA, Xepapadaki P, Welsing PMJ, Potts J, Mills ENC, van Ree R, Burney PGJ, Le TM. Prevalence of Food Sensitization and Food Allergy in Children Across Europe. J Allergy Clin Immunol Pract. 2020 Sep;8(8):2736-2746.e9. doi: 10.1016/j.jaip.2020.04.020.
Epub 2020 Apr 21. PMID: 32330668.
3. Worm M, Timmermans F, Moneret-Vautrin A, Muraro A, Malmheden Yman II, Lövik M, Hattersley S, Crevel R. Towards a European registry of severe allergic reactions: current status of national registries and future needs. Allergy 2010; DOI: 10.1111/j.1398-9995.2010.02332.x.
www.ialimentar.pt
iAlimentar - Informação profissional para a indústria alimentar portuguesa