Sofia Lopes ASAE - Autoridade de Segurança Alimentar e Económica
Divisão de Riscos Alimentares
08/04/2022Tal como citado por Nathalie Chaze, Diretora para a Sustentabilidade Alimentar e Relações Internacionais da DG SANTE, “um dos princípios básicos da Estratégia ‘Do prado ao prato’ é proporcionar a transição do nosso modelo atual de sistemas alimentares para um outro que seja sustentável através da investigação, inovação e tecnologia. A estratégia define planos para aumentar a disponibilidade e as fontes de proteínas alternativas, tais como proteínas vegetais, microbianas, marinhas e à base de insetos e substitutos de carne1”.
A colocação de novos alimentos no mercado da União Europeia (UE) está sujeita ao cumprimento das regras estabelecidas pelo Regulamento (UE) 2015/2283 do Parlamento e do Conselho de 25 de novembro de 2015. Este visa assegurar o bom funcionamento do mercado interno, assegurando simultaneamente um elevado nível de proteção de saúde humana e dos interesses dos consumidores.
Os “novos alimentos” são definidos como os alimentos não utilizados em quantidade significativa para consumo humano na União antes de 15 de maio de 1997 e que se insiram, pelo menos, numa das 10 categorias enunciadas na alínea a) do ponto 2 do Regulamento (UE) 2015/2283.
Os novos alimentos podem ser alimentos inovadores desenvolvidos recentemente ou alimentos que usam novos processos de produção e tecnologias, bem como alimentos tradicionalmente consumidos fora da UE.
De acordo com o considerando 20 do Regulamento (UE) 2015/2283, deve ser garantida a segurança alimentar dos novos alimentos “os novos alimentos só deverão ser autorizados e utilizados se preencherem os critérios definidos no presente regulamento. Os novos alimentos deverão ser seguros e, se não for possível avaliar a sua segurança e se persistir a incerteza científica, pode ser aplicado o princípio da precaução. A sua utilização não deverá induzir o consumidor em erro. Por conseguinte, se o novo alimento se destinar a substituir outro alimento, não deverá diferir desse alimento de uma forma que constitua uma desvantagem nutricional para o consumidor”.
Os novos alimentos não deverão ser colocados no mercado ou utilizados em alimentos para consumo humano, exceto se estiverem incluídos numa 'Lista da União' de novos alimentos autorizados a ser colocados no mercado da União2.
A introdução de novas tecnologias emergentes nos processos de produção alimentar levou ao desenvolvimento de novos alimentos e dos alimentos do futuro, permitindo uma disponibilidade alimentar mais diversificada. Os novos alimentos só são aprovados para consumo na UE se não implicarem, em termos nutritivos, uma desvantagem quando substituam um alimento semelhante e não induzirem em erro o consumidor
Os novos alimentos só são aprovados para consumo na UE se não implicarem, em termos nutritivos, uma desvantagem quando substituam um alimento semelhante e não induzirem em erro o consumidor.
O consumo de insetos pelo Homem é uma prática milenar em várias regiões do mundo.
Entre as espécies mais comuns estão: os besouros (31%), borboletas (18%) e abelhas, vespas e formigas (14%). Seguem-se os gafanhotos e grilos (13%), cigarras, cochonilhas e percevejos.
A promoção de consumo de insetos no Ocidente deve-se à possibilidade da produção sustentável deste tipo de alimento, apresentando-se como uma importante alternativa ao consumo de carne.
São apontadas várias vantagens ambientais na produção de insetos uma vez que, comparando com o gado bovino e suíno, emitem menos gases com efeito de estufa e necessitam de muito menos espaço e recursos hídricos.
Sob o ponto de vista nutricional, os insetos destacam-se pelo seu elevado teor de proteínas, gorduras polinsaturadas, vitaminas, fibras e minerais.
A colocação no mercado da UE dos insetos, tal como de todos os novos alimentos, carece de aprovação da Comissão após a realização de uma avaliação de riscos e emissão de respetivo parecer da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA).
A EFSA emitiu em janeiro de 2021 um parecer científico sobre segurança da larva Tenebrio molitor como um novo alimento nos termos do Regulamento (UE) 2015/2283. Em junho de 2021, com a publicação do Regulamento de Execução (UE) nº2021/882 foi autorizada a colocação no mercado de larvas de Tenebrio Molitor desidratadas como novo alimento ao abrigo do Regulamento (UE) 2015/2283.
Avaliação do risco
No artigo 'Insetos – Alimentos para o futuro'2, os seus autores referem que:…”na sua primeira avaliação do risco da utilização de insetos para consumo humano e alimentação animal, publicada em outubro de 2015, a EFSA concluiu que, para os perigos biológicos e químicos associados à criação de insetos para consumo humano e alimentação animal, os riscos estão dependentes da forma como os insetos são criados e processados. A conclusão geral da EFSA é de que o risco de usar insetos como alimento não é maior do que o risco de usar outros animais. Alguns pontos específicos incluem o facto de o principal risco estar relacionado com a alimentação e não com os próprios insetos; que os priões de mamíferos (responsáveis pela BSE) não se podem replicar em insetos; e que o nível de acumulação química (por exemplo, de metais pesados) não é claro, e precisa ser mais estudado".
A carne cultivada em laboratório é apresentada pelos seus defensores como uma alternativa sustentável para os consumidores que querem ser mais responsáveis, mas não querem alterar a composição da sua dieta.
A produção de carne cultivada é apresentada como uma solução amiga do ambiente, que visa diminuir o impacto ambiental ao nível das áreas de pastoreio, água consumida e emissão para a atmosfera de gases relacionados com o efeito de estufa.
A carne cultivada é produzida a partir de amostras de células recolhidas de animais vivos que, ao serem colocadas num meio de cultura apropriado que fornece nutrientes, crescem e multiplicam-se formando o mesmo tecido do animal. Com base neste processo, serão necessários menos animais para produzir enormes quantidades de carne devido à proliferação celular.
Saúde e segurança
Conforme citado pelos autores do artigo - The Myth of Cultured Meat [4] – "os defensores da carne cultivada afirmam que ela é mais segura do que a carne convencional, baseado no facto da carne de laboratório ser produzida num ambiente totalmente controlado por investigadores ou produtores, em meio estéril, enquanto que a carne convencional faz parte de um animal em contacto com o mundo exterior, embora cada tecido (incluindo os músculos) esteja protegido pela pele e/ou pela mucosa. De facto, sem qualquer órgão digestivo próximo (apesar de a carne convencional estar geralmente protegida contra isto), e, portanto, sem qualquer contaminação potencial no abate, as células musculares cultivadas não têm a mesma oportunidade de encontrar agentes patogénicos intestinais tais como E. coli, Salmonella ou Campylobacter”.
Pretende-se que a proteína sob a forma de carne artificial apresente caraterísticas de textura, paladar e coloração semelhantes à carne animal, para ser aceite pelo consumidor final. Além disso, em virtude da evolução da tecnologia, a carne artificial pode introduzir ingredientes que promovam a melhoria da saúde do consumidor final.
Citando a 'Riscos & Alimentos', edição nº19, revisitamos o artigo – “os desafios dos Novos Alimentos enquanto Alimentos do futuro': “…estas novas fontes proteicas sintéticas supõem: ser totalmente seguras, uma vez que é produzida em meio estéril, ser amiga do ambiente, geradora de poucos subprodutos, sem resíduos pela sua base biodegradável, saudável da perspetiva que será isente de antibióticos”.
As algas produzidas em condições controladas podem oferecer oportunidades muito interessantes para satisfazer a saúde do cérebro e melhoria da saúde e bem-estar geral dos indivíduos. Com uma grande biodiversidade, as microalgas estão entre uma das fontes alimentares mais promissoras, dada a sua riqueza em nutrientes. A Chlorella (Chlorella vulgaris) e a Spirolina (Arthrospira platensis), são dois exemplos comuns, frequentemente comercializadas na Europa, na Ásia e na América sobre a forma de suplementos alimentares (tabletes, pós, cápsulas, pastilhas, liquidificadas), com elevado teor em proteína e micronutrientes.
Nos últimos anos, a evolução em Portugal abrange um conjunto de novos produtos originados de biomassa de algae, ricos em carotenoides e gorduras insaturadas, com efeitos antioxidantes. As áreas de aplicação são principalmente em pigmentos, bolachas, gel.
Dada a capacidade de bioacumulação destes organismos vivos, particularmente das macroalgas, é importante avaliar a presença de metais pesados como o mercúrio, o arsénio e o cádmio. Segundo a Comissão Europeia, os europeus consomem cada vez mais algas na sua alimentação, por isso recomendou aos Estados-membros, em cooperação com os operadores das empresas do setor alimentar e dos alimentos para animais, que realizassem durante 2018, 2019 e 2020 a monitorização da presença de arsénio, cádmio, iodo, chumbo e mercúrio em algas marinhas, halófitos e produtos à base de algas marinhas, a fim de permitir uma estimativa precisa da exposição, definindo teores máximos de exposição.
São igualmente exemplos de novos alimentos os suplementares alimentares e as sementes (ex. sementes de Chia, sementes de abóbora, sementes de girassol, sementes de papoila, sementes de sésamo).
Atualmente conseguimos encontrar em alguns estabelecimentos comerciais géneros alimentícios considerados como uma alternativa à carne, os substitutos da carne à base de plantas, como por ex. hambúrgueres vegetais com proteína de ervilha.
As tecnologias emergentes nos processos de produção alimentar e desenvolvimento de novos alimentos dão o seu contributo na questão da sustentabilidade alimentar.
A legislação da União aplicável aos alimentos é igualmente aplicável aos novos alimentos colocados no mercado da União4, incluindo novos alimentos importados de países terceiros. Todos os novos alimentos estão sujeitos a uma rigorosa avaliação de risco efetuada pela EFSA sustentada pelo conhecimento científico disponível, garantindo que todos os novos alimentos submetidos a aprovação são seguros para consumo humano.
Na sequência da aplicação do Regulamento da Transparência em 27 de março de 2021, Nathalie Chaze, Diretora para a Sustentabilidade Alimentar e Relações Internacionais, e Sabine Juelicher, Diretora para a Segurança dos Alimentos para Consumo Humano e Animal e Inovação da DG SANTE referiram que: “a avaliação da segurança dos produtos alimentares resultantes de novas tecnologias alimentares estará sujeita às regras estabelecidas no Regulamento Transparência. Ou seja, os cidadãos da UE, bem como os nossos parceiros mundiais para quem exportamos produtos europeus, podem ter a certeza de que os alimentos que compram nas prateleiras dos supermercados são, e continuarão a ter a mais elevada qualidade e a máxima segurança”.
Outra alternativa que surge ao consumo da carne, é a “carne” cultivada em laboratório (proteína sintética), em favor de uma maior sustentabilidade global. O produto irá evoluir com novas descobertas e avanços que otimizam a produção, qualidade e eficiência da divisão celular. Resta saber se o progresso neste tipo de produção será suficiente para que a carne artificial seja competitiva em comparação com a carne convencional e com o número crescente de substitutos de carne. Além disso, a falta de aceitação por parte dos consumidores poderá constituir um obstáculo à introdução da carne cultivada no mercado.
O desafio futuro passará pela introdução e aumento de outras fontes de proteína alternativas para a alimentação humana, como por exemplo os insetos e as algas, e incentivar novas tecnologias e inovações na produção de alimentos, já que podem reduzir o impacto ambiental da produção de alimentos, aumentar a segurança alimentar e beneficiar os consumidores.
1 https://ec.europa.eu/newsroom/sante/items/706282/pt
2 https://ec.europa.eu/food/safety/novel_food/catalogue/search/public/index.cfm
3 https://www.efsa.europa.eu/en/efsajournal/pub/6343
4 Considerando 3 do Regulamento (UE) 2015/2283 do Parlamento Europeu e do Conselho.
Referências
1. Regulamento (UE) 2015/2283 do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de novembro de 2015: relativo a novos alimentos, que altera o Regulamento (UE) nº 1169/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga o Regulamento (CE) nº 258/97 do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (CE) nº 1852/2001 da Comissão;
2. Sarogini Monteiro, Elisa Carrilho, César Oliveira – 'Insetos – Alimentos para o futuro'; Riscos & Alimentos nº19 – janeiro de 2020;
3. Patricia da Silva Liberato, Filipa Melo de Vasconcelos – 'Os desafios dos Novos Alimentos enquanto Alimentos do futuro'; Riscos & Alimentos nº19 – janeiro de 2020;
4. Sghaier Chriki and Jean-François Hocquette, 'The Myth of Cultured Meat', https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fnut.2020.00007/full;
5. https://exame.com/ciencia/isto-e-carne-de-frango-de-verdade-e-nenhum-animal-morreu/;
www.ialimentar.pt
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