Tatiana Pereira, Sandrina Costa, Sónia Barroso, Susana Mendes, Maria M. Gil
MARE - Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, Politécnico de Leiria, Cetemares, 2520-620 Peniche, Portugal
17/03/2022Ao longo dos anos, os investigadores do MARE-Politécnico de Leiria têm vindo a desenvolver vários produtos enriquecidos com fontes alternativas de biomassa marinha para desenvolvimento de novos alimentos que já se encontram disponíveis no mercado. São vários os projetos que estudam o potencial de incorporação em diversas matrizes alimentares com o intuito de enriquecer a nível do conteúdo de proteína, de ácidos gordos polinsaturados, ou mesmo de vitaminas e minerais. Exemplos disso são o 'PÃO D’ALGAS®' e o 'PÃO DO MAR®', ambos comercializados pelo grupo Calé (pão com incorporação de macroalgas e bivalves, respetivamente), os hambúrgueres de cavala e salmão (comercializados pela empresa Nigel) e o gin Nautilus aromatizado com algas (comercializado pela empresa Oficina dos Espíritos).
Vários produtores alimentares têm vindo a desenvolver esforços para comercializarem alimentos funcionais, com recurso a microalgas e cianobactérias, como massa, pão, molhos, gelados, iogurtes e bebidas. No entanto, embora sejam várias as espécies de microalgas a serem exploradas nas suas diversas aplicações, enquanto ingrediente alimentar, as espécies aprovadas pela EFSA são ainda muito reduzidas. As microalgas são fonte de uma grande variedade de nutrientes de interesse como ácidos gordos polinsaturados (ómega-3), proteínas, vitaminas e minerais com potencial de ser utilizadas na formulação de alimentos funcionais (Batista et al., 2019). Esse potencial tem sido comprovado em vários estudos, com as microalgas a serem usadas para enriquecer nutricionalmente e conferir bioatividades a pães, pastas e bolachas (Batista et al., 2019; De Marco et al., 2014; Nunes et al., 2020).
Neste contexto, cada vez mais projetos pretendem valorizar a sua utilização na alimentação. Um desses projetos é o 'ALGAVALOR – MicroAlGAs: produção integrada e VALORização da biomassa e das suas diversas aplicações'. Fruto de um consórcio liderado pela Allmicroalgae, este projeto tem como objetivo geral a produção integrada e aplicação de microalgas em diversos setores comerciais. O papel do Politécnico de Leiria neste projeto é o de avaliar a aplicação das microalgas em produtos de panificação e pastelaria.
O pão é um dos alimentos mais antigos e consumidos na alimentação humana sendo para muitos a sua maior fonte de fibras, hidratos de carbono e minerais. Na Europa, é estimado que se consuma em média 59 Kg/ano de pão, sendo a Turquia o maior consumidor, com 104 Kg/ano (Gebski et al., 2019). Em Portugal, os valores de consumo rondam em média os 100 g/dia, representando 15,1% da ingestão energética (Lopes et al., 2017). A relevância deste produto para a alimentação na população portuguesa, abre a possibilidade de se inovar para satisfazer as necessidades do novo consumidor, mais consciente e exigente nas suas escolhas alimentares. Entre várias razões, o desenvolvimento de intolerâncias ao glúten tem conduzido a um crescente número de consumidores a afastar-se do tradicional pão, reforçando a necessidade de inovar neste setor.
Neste contexto, antes de se proceder ao desenvolvimento de formulações de pão com microalgas, foram avaliadas as preferências, hábitos de consumo e aceitação de novos produtos alimentares através de um focus group, composto por consumidores de diferentes áreas (desporto, nutrição, restauração, tecnologia alimentar, educação). Os resultados obtidos evidenciaram as caraterísticas que os participantes mais destacaram durante a sessão e, desta forma, as consideradas mais importantes para o desenvolvimento do novo pão (Figura 1). Esta metodologia permitiu também concluir que a introdução de um novo pão com microalgas no mercado, com alegações nutricionais de baixo teor de gorduras e alto teor de proteínas, teria aceitação comercial. A ideia de que a sociedade atual procura cada vez mais produtos inovadores com alegações saudáveis foi reforçada, com os participantes a acreditarem que um correto desenvolvimento e estratégia de marketing inovadora tinham o potencial de tornar o produto num grande sucesso de mercado.
Figura 1. Nuvem de palavras. O tamanho de cada palavra é proporcional à importância atribuída pelos participantes no focus group.
Para o desenvolvimento do novo pão, foram testadas várias formulações com recurso a farinhas nutricionalmente interessantes (como farinha de tremoço) e adição da microalga Clorella vulgaris (Figura 2). Das formulações testadas, duas demonstraram ter potencial a nível sensorial e nutricional (Figura 3), tendo as alegações 'fonte de proteínas' e 'baixo em gorduras saturadas'. Numa prova de aceitação com 82 provadores, as formulações foram classificadas como sendo sensorialmente agradáveis, concluindo-se que teriam boa aceitação no mercado.
Bibliografia
www.ialimentar.pt
iAlimentar - Informação profissional para a indústria alimentar portuguesa