Filipa Melo de Vasconcelos | ASAE
28/05/2021A legislação alimentar da União Europeia (UE) foi reformulada após uma série de crises alimentares no final dos anos 90, que abalaram a confiança dos consumidores e resultaram em interrupções do comércio agroalimentar. Nessa altura, foi colocada em causa a capacidade da UE de gerir riscos alimentares, assente em alegadas suspeitas na ciência por falta de transparência e pelo facto de a European Food Safety Authority (EFSA) ser gerida por um Conselho de Administração longe dos Estados-membros.
Desde 27 de março de 2021 que está em vigor o Regulamento (UE) 2019/1381, do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de junho de 2019, relativo à transparência e sustentabilidade do sistema da UE de avaliação de risco na cadeia alimentar, alterando oito atos legislativos setoriais1 da cadeia alimentar para incrementar a transparência no processo de avaliação de risco.
Materializa-se em todas as etapas de produção, transformação e distribuição, assumindo-se transversal à cadeia alimentar 'Do Prado ao Prato/ F2F-Farm to Fork' estabelecendo uma base comum com definições e conceitos, tais como, ”alimento“ e ”operador de empresas de alimentos/alimentos para animais”. Também consagra os princípios e as normas gerais da legislação alimentar, tanto a nível da UE como a nível nacional. Aqui importa destacar, entre outros aspetos, o princípio fundamental de que a legislação alimentar deve basear-se em análise de risco, exceto quando tal não for adequado às circunstâncias ou à natureza da medida.
A legislação alimentar deve ser baseada na ciência e um alimento para ser considerado como tal, tem que ser seguro, pois, noutra condição não se assume como tal.
Define que a análise de risco é um processo constituído por três componentes interligadas: avaliação de risco, gestão de risco e comunicação de risco.
Os principais objetivos são transparência e confidencialidade, valor científico, compromisso e comunicação de risco, em apoio ao processo científico e contribuindo para um plano geral de comunicação de risco e, por fim, o novo modelo de governança que traz para o Management Board (MB) representantes de todos os E.M’s da Comissão Europeia, do Parlamento Europeu e de representantes dos demais stakeholders.
Outros princípios gerais incluem a proteção dos interesses dos consumidores, consulta pública durante todo o ciclo de tomada de decisão e o direito do público ser informado, quando houver motivos razoáveis para suspeitar que um género alimentício ou alimento para animais pode apresentar um risco para a saúde.
Importa ainda realçar que sendo a comunicação de risco uma parte essencial neste processo de análise de risco, esta viu-se fortalecida, desde logo, após o Fitness Check da GFL, no âmbito do exercício REFIT-Regulatory Fitness & Performance Programme. Foi um importante balanço geral da qualidade da legislação alimentar geral levado a cabo pelas instâncias europeias, que trouxeram para o centro da sua ação futura as preocupações de mais transparência exigidas pelos cidadãos europeus.
Concluiu-se que a comunicação de risco não tem sido suficientemente eficaz, o que naturalmente afeta a confiança dos consumidores nos resultados de todo este processo. Ou seja, nesta revisão e em diálogo participativo e aberto a todas a partes interessadas, visou-se um reforço do pilar da confiança dos cidadãos e a garantia dos princípios de elevada proteção humana e dos interesses dos consumidores.
Salienta-se que as alterações à General Food Law têm na génese um novo sistema de segurança alimentar em que traz os Estados-membros para o Management Board da EFSA, alterando-se o seu modelo de governança aumentando assim a colaboração e co-criação, baseando o novo ciclo num espírito de confiança onde a interoperabilidade dos dados passa a ter maior relevância e escrutínio do processo de avaliação de risco ao alcance de todos, num claro espírito de defesa dos interesses dos consumidores europeus.
Senão vejamos: os estudos científicos no âmbito do processo de avaliação de risco, são feitos centralmente pela EFSA que, neste novo ciclo, é marcado de forma indelével na Estratégia da EFSA até 2027 – encontrando-se atualmente em consulta pública até maio2 - focada em ciência, alimentos seguros e sustentabilidade, alargou as bases de dados abertas e otimizou o acesso aos seus dados3, corporizando a estratégia da Comissão Europeia Open Data Strategy4, onde a própria Autoridade tem o seu portal que se aconselha vivamente a consulta.
O Sistema de Segurança Alimentar Europeu está preconizado como rede digitalizada, altamente segura e interoperável com outros sistemas que permitam:
É todo um caminho que funda a sustentabilidade no ADN deste novo regulamento, suportado no espírito de 'One Health' em todas as políticas e consagrando os enormes desafios plasmados nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 das Nações Unidas5.
Cria uma moldura de flexibilização e agilidade nas decisões deste ecossistema da segurança alimentar, explorando as novas tecnologias emergentes de inteligência artificial, com abordagens de big data e block-chain. Com efeito, certamente continuaremos a pautar a Europa como a geografia alimentar mais segura do mundo, assente em princípios como os referidos antes e que assegura uma capacitação dos Estados-membros para melhor resposta e preparação a incidentes alimentares e crises.
A publicação e abertura dos dados científicos armazenados na EFSA oferece amplos benefícios, pois, acelera a atividade económica, estimando a CE, o benefício económico de mais de 40 biliões de €/ano, aumenta a transparência e a melhor governança das instituições:
A nível da produção primária, porquanto a abordagem é baseada em evidências para práticas agrícolas e o acesso aos dados de monitorização permite que os agricultores tomem decisões sobre a gestão da propriedade e assegurem a biossegurança efetiva.
e por fim, a nível económico, pois permite o uso compartilhado de ferramentas e tecnologias para dados abertos entre agências governamentais, bem como a implementação de programas de monitorização e vigilância com custos mais reduzidos.
Em suma, entre outros aspetos, o novo regulamento da Transparência e Sustentabilidade:
Esta nova era do Open Data, permitirá à indústria alimentar potenciar os benefícios futuristas de uma avaliação de risco assente numa verdadeira transição digital. Pelo que, este advento de novos fluxos de dados incluindo big data permite transformar a mera colheita de dados em conexão dos mesmos
A digitalização promove a inovação, mitiga riscos, reduz custos, permite flexibilidade e preparação para resposta tempestiva a incidentes que possam escalar a crises. Ter os dados como drive da decisão de inovação, permite assim transformar os dados disponíveis em evidências científicas apoiando ainda uma comunicação de risco em tempo real.
Face ao que antecede, é de dar relevo ao facto que esta nova era do Open Data, permitirá à indústria alimentar potenciar os benefícios futuristas de uma avaliação de risco assente numa verdadeira transição digital. Pelo que, este advento de novos fluxos de dados incluindo big data permite transformar a mera colheita de dados em conexão dos mesmos.
Para terminar, gostava de dar eco às declarações proferidas por Mella Frewen, Diretora-geral da FoodDrinkEurope no evento celebratório, aludido no início, enquanto organização representativa da indústria agroalimentar europeia, que este Regulamento da Transparência e Sustentabilidade garante a transparência ao longo de todo o processo e melhora a confiança dos consumidores.
Mais, sublinhou esta representante da indústria alimentar, a importância do equilíbrio entre o triângulo Transparência, Competitividade e Inovação enquanto eixos determinantes para acomodar soluções inovadoras, que sejam exequíveis, tanto para grandes empresas com avultados recursos financeiros, como para as PME’s- Pequenas e Médias Empresas do setor, cuja centralidade e preponderância não é possível olvidar.
Por fim, igualmente foi saudado o novo modelo de governança da EFSA, que acolherá no MB um representante da indústria e as preocupações com a melhoria da eficácia da comunicação.
1Reg(CE) nº 178/2002, (CE) nº1829/2003, (CE) nº1831/2003, (CE) nº2065/2003, (CE)nº1935/2004, (CE)nº1331/2008, (CE)nº1107/2009, (UE)2015/2283 e a Diretiva 2001/18/CE
2 https://www.efsa.europa.eu/en/news/draft-efsa-strategy-2027-out-public-consultation
3 https://efsa.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.2903/j.efsa.2019.e17011
4 https://digital-strategy.ec.europa.eu/en/policies/open-data-0
5 https://unric.org/pt/objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel/
www.ialimentar.pt
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