BF16 - iAlimentar

DOSSIER PROTEÍNAS ALTERNATIVAS E O FUTURO DA ALIMENTAÇÃO 32 No entanto, importa reconhecer que os decisores europeus se esforçaram bastante para irem ao encontro das exigências de inovações alimentares com potencial disruptor, tal como a carne cultivada. Para além da organização de eventos e seminários informativos dirigidos a empresas potenciais requerentes de autorizações de novos alimentos, a EFSA atualizou as linhas diretrizes para a submissão de dossiês de novos alimentos no outono de 2024. A atualização dessas linhas diretrizes contém elementos e considerações diretamente relevantes para a carne cultivada e outras fontes de proteínas alternativas (designadamente, os alimentos resultantes da fermentação microbiana), sendo aplicáveis desde 1 de fevereiro de 2025.[5] Por último, quanto ao impacto socioeconómico da carne cultivada no setor agropecuário europeu, cabe realçar que, de modo geral, a decisão de autorizar um novo alimento depende do parecer científico favorável da EFSA na sua qualidade de avaliador do risco. No entanto, conforme previsto pela Lei Geral Alimentar, para além da avaliação do risco para a saúde publica, o gestor do risco - ou seja, a Comissão Europeia juntamente aos 27 países da UE – pode sempre ter em conta outros ‘fatores legítimos’ na tomada de decisões[6]. Estes fatores podem incluir considerações ou exigências de tipo ambiental, económico e social, entre outros. Neste sentido, atendendo à resistência política referida acima para a introdução da carne cultivada no mercado comunitário, nos futuros procedimentos de autorização a nível europeu que lhe dizem respeito não se podem excluir a priori decisões políticas que descurem total ou parcialmente a ciência. Face a este contexto político e regulamentar, não surpreende que a UE esteja uns passos atrás na autorização desta inovação comparada a outras jurisdições, como Singapura ou os Estados Unidos da América. Portanto, face a estes obstáculos, é legitimo questionar-se sobre se e quando a carne cultivada vai efetivamente chegar nos nossos pratos. GOURMEY E MOSA MEAT: PRIMEIROS PEDIDOS DE AUTORIZAÇÃO Apesar dos obstáculos regulamentares e políticos referidos acima, ao longo do último semestre registaram-se avanços significativos do ponto de vista regulamentar em relação à aprovação da carne cultivada no mercado europeu. Assim, em julho de 2024, a start-up francesa Gourmey apresentou o primeiro pedido de autorização de carne cultivada como novo alimento. Trata-se, em concreto, de um conjunto de ingredientes e alimentos resultantes da reprodução de células de pato- -real (Anas platyrhynchos), que inclui derivados da carne, óleos, gorduras, preparações alimentares e cremes para barrar, entre os quais se destaca o foie gras [7]. No entanto, o pedido de autorização da start-up francesa não é apenas relevante por ser o primeiro em absoluto que visa a carne cultivada a nível europeu. Tem também importância pelo facto de a empresa requerente ter apresentado o mesmo pedido de autorização simultaneamente em outras jurisdições, incluindo Singapura, Israel, Estados Unidos de América e o Reino Unido. Além disso, não deixa de haver uma certa ironia no facto deste pedido dizer respeito ao foie gras, ou seja, um alimento que, produzido primariamente em França e Hungria[8], faz parte da tradição e do património gastronómicos europeus, sendo até protegido ao abrigo da legislação europeia sobre as indicações geográficas[9]. Importa, por último, salientar que Gourmey, aquando da apresentação do pedido de autorização aqui em causa, requereu a aplicação das disposições da legislação europeia sobre os novos alimentos que garantem a O sandbox regulatório é um mecanismo que permite às empresas, num ambiente controlado sob a supervisão de entidades públicas, testar as inovações diretamente com os consumidores.

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